29 de abr. de 2009

INSTINTO...


Caio Martins


Primeira pescaria com o tio, única pessoa no mundo que odeia computadores. Observa-lhe cada gesto. Estão atrás de carpas, e o velho diz, doutoral: - ...carpa é bicho desconfiado, filho! Qualquer besteira larga a isca; ela abocanha, cospe, dá umas voltas e volta a pegar. Só engole quando acha que realmente não há perigo. Vê?

Não vê nada. A linha meio bamba move-se ao vento, o lago todo na frente, nada indica presença de peixe. Por alguma razão tensa-se, segura a vara e molinete com firmeza e prepara-se para fisgar. Há um puxãozinho, o coração dispara. Chama o tio.

- Não puxe! Espere andar! Afrouxe um pouco a linha, bem devagar! Fique esperto, filho, deve ser grande, desses que já escapou de uma porrada de anzóis e babacas!

Segue as instruções quase sem respirar. Nada. E novo tranquinho, novo sufoco, de novo nada. Nada vê, mas a tensão avoluma-se, numa sensação de que algo vai acontecer, está acontecendo, a linha estica-se de vez, o puxão é forte e contínuo, dá tranco firme, a vara curva-se com violência, o molinete zune estridente, deixando escapar o nylon sob ação do freio.

- Seguuuuura, peãããooo! Não force! Mantenha a vara alta, para ela subir! Afrouxe um pouco o freio! Isso! Deixe cansar! É isso, moleque!

Coração aos pulos, batendo na garganta, toureia o peixe, que salta quase um metro fora d’água, é imenso e azulado. Logo não salta mais, ziguezagueia em estiradas longas, quase na superfície. Vai meia hora nessa lida, o tio comandando: - Puxe com a vara e enrole devagar! Se arrancar, dá linha. É grande, moleque!

O peixe luta para fugir do anzol até pranchar exausto. Ofegante, o puxa com a vara, enrola, puxa e enrola, metro a metro o traz até quase em terra. O tio pega com destreza e, finalmente, vitória! Na grama, a carpa azulada só come o ar.

- Moleque danado! Fazia tempo que não via um bicho assim! Grande guri!

Não sabe o que dizer. Junto à euforia, sente constrangimento e pena do peixe. É bonito demais para morrer. Mas é seu, quem mandou comer o que não devia...

- Vamos tirar umas fotos! Tem que provar que você pegou um bicho destes!
- Mas tio, é gosmento... pesado pra cacete! Puta peixão, heim, tio?

Sorri orgulhosamente sendo fotografado. O peixe tenta escapar, escorrega-lhe do colo e agita-se fracamente na grama, abrindo muito a boca e as guelras.

- Agora, vamos soltá-lo!
- O quê? Mas fui eu que peguei, é meu!
- Tá certo, tá certo, mas... Vai! Solta o bicho! Já se divertiu bastante, agora você tem de ser generoso! Vai!

Dividido, leva a carpa para a água ajudado pelo velho. Tem vontade de chorar, quando o peixe lentamente nada para as águas fundas.

- Pô, tio! Eu não via nada, e sabia que ela estava lá, que era grande. É maluco demais, esse negócio! Dá uma puta emoção que achei que ia detonar...
- É a adrenalina! É melhor que vídeo-game, não é?
- É diferente! No game, eu aprendo a sequência e domino sempre. Aqui a coisa é diferente! A gente não sabe o que vai acontecer, tem um negócio vivo do outro lado! Eu sabia que ela estava lá, sem ver, sem coisa nenhuma mostrando...
- É o instinto, filho! É o instinto...
-Tá legal! Mas a sensação é ruim, antes da certeza de que o bicho está lá. Parecia que o coração ia estourar, fiquei tão tenso que não conseguia respirar... Sabe o que é gozado? Tem uma menina na escola que quando estou perto dela fico de jeito parecido! Também deve ser o instinto, né?
- É! A vida é assim! Isso é da idade! Vamos pescar, vamos!

Quase não dorme, naquela noite. Primeiro, as emoções da pescaria não deixavam a cabeça. Depois, ficou um tempo pensando na menina. Pela manhã, dorme-não-dorme, sonhou-a nua no lago. Acordou ofegante, o pijama molhado. Pelo menos, desta vez, tinha uma explicação:

- Droga!... Bosta de instinto!

(img:cvmabril09)

2 comentários:

  1. prof. Domingos Beraldi29/4/09 15:43

    Muito didático e bem humorado!

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  2. Gerson S.30/4/09 21:40

    Realmente a primeir pescaria bem como outras primeiras a gente nunca esquece...

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Na busca da excelência aprende-se mais com os inimigos que com os amigos. Estes festejam todas nossas besteiras e involuímos. Aqueles, criticam até nossos melhores acertos e nos superamos.

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