Da interminável e densa e intensa batalha entre memória e história, o que resta são palavras. Só palavras.
Serão eventualmente garimpadas nos escombros do futuro. Estão convidados, porém, a revirar hoje o blogue pelo avesso.
14 de abr. de 2009
FUZUÊ
Caio Martins (edição: J.Lima)
O X9 desesperado celulou, a viatura chegou e o pega rolava geral. Diante da ação decidida dos policiais, porradas no percurso e cano do trezoitão na cara, caiu uma tempestade de objetos de todo tipo. O funcão, comendo solto, tinha decibel para acordar São Jorge na Lua. Tudo carango cabrito, sonzão da rádio pirata e a galera na loucura. Só dava correria, e droga para entupir o maraca.
Garrafas, copos, pedaços de mesas e cadeiras, lata de cerveja, um fuzuê de rachar maluco, e a mina nem aí com os fatos: no meio da futruca, Margarida se esfregava na mó folga no poste, feito de bingola. Gemia, gritava barbaridades, rolava os olhos, percorria a bunda e as coxas com as mãos, apertava os peitos e os apontava pros pé-preto, que agora riam. Ninguém acreditava no que estava acontecendo. A chuva de lixo parou, um mané sentado no chão.
Como podia o Ximbó, um doidão criado na porrada e debaixo de tiro, ali, feito um bosta choramingando, chapadão feito uma vaca, enquanto a vagaba se remexia na frente dos canas? Muito pra cabeça, ainda mais se fora o dono-da-rua, do bairro. A mulher caprichara para deixar o maluco daquele jeito, feito bananeira cacheada.
E tinha muita bronca antiga no pedaço, uns mano já de sangue no olho, de ganso e secos pra mandar o dedo. Ficasse ali, já era, 'tava ripado. Muita doidera, a negona loiraça de cabelo esticado botando peito para fora, levantando a saia justa, mostrando a perseguida e chamando os gambé da lei pro frege. Os fotógrafos fizeram a festa co'as bomba-de-mané. No rádio, entre muito copiou e positivo, os meganhas se olhavam, a ordem era acabar com a zorra e tirar o espantalho da roça.
O sargento Carmelo, apertado no colete à prova de bala e na farda de perna meio curta, sentou nos ovos: aquilo não podia continuar, mas a tchôla era doidona demais, pra que estragar o frege do povo... Se entrasse duro na trutada, no esculacho, a galera podia partir pra porrada de uma vez, agora que tudo era só alegria. Não era pau-de-dar-em-doido, morava na periferia, sabia das coisas, era só uma quarenta e dois oitão contra sabe-se lá que maquinária.
- Sargento, não tem reforço... tá todo mundo na saída do estádio... Deu crepe lá! Tá cabuloso!
- Merda! D’xá comigo! Tô nessa não de pagar pau pra maluco... Bota o nóia no chiqueiro mas não grampeia... Tá todo mundo tá que tá, então esse povo aí vai ver quem é fodão...
Não teve dúvidas: pulou pro meio, caiu no funcão da rádio pirata, chacoalhando tonfa e arma na cintura na dança da periquita, rebolando e sacudindo os ovos, pedalando o boné como se fosse sutiã de mocréia. Foi o delírio! A plebe urrava, tinha pirado esfregando frenético a mão na cabeça e uivando pra lua, de repente uma neguinha-aço tingida tirou o tope, peitinhos de fora, e começou a sacudir o rabo sem calcinha gritando, alucinada:
- Créu! Créu! Créu! Créu! Créu-créu-créu-créu-créu-créu-créu-créu!!! ...
Daí a Margarida chegou, meteu a mão na grinfa, chutou a cara do chapado e virou tudo Iraque de novo. A viatura pegou um verde rapidinho, uns pipocos de tiro no rabo, o Ximbó no chiqueiro com o nariz detonado melando. Bem longe, pararam, no seguro. Carmelo deu boi pro correria, um safanão e os trocados que levava. Tinham-lhe afanado a grana.
- E aí, m’rmão! Quer mesmo ficar aqui ou vai pro PS? Responde aí, mano!
Ximbó olhou os canas, cuspiu sangue, se limpou na camisa, riu besta e folgadão:
- Xiiii, mano!... se pintar a fita de tu mexendo o rabo na TV, vai pagá pau pra uma cadeia do cacete... Quebra a minha aí, num cagueta pra mãe, cara, senão tô eu também co'a moral no escracho...
(img: - nathan-rj)
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Os caminhos estranhos e trocados do mundo que quase todos desconhecem, num relato frio e amargo de Caio. Um "Fuzuê" autêntico.
ResponderExcluirCaio
ResponderExcluirO Jorge Sader fez um comentário sério. Mas saiba que para mim foi hilário e divertido nesse mundo malandro no qual você usou a linguagem própria. É o lado alegre das pequenas tragédias nesse mundo marrom. Parabéns
Levei um tempo para descobrir que os dois eram irmãos... da mesma mãe saiu um "correria" e um soldado... Derruba essas teses hipócritas que o crime é fruto da questão social... Mas como o Caio é muito bonzinho no fim até o pilantra está preocupado com a mãezinha... Hilário...
ResponderExcluirDemais. Abraço.
ResponderExcluirCaio, adorei ler sua crónica de hoje, você tem o dom da palavra, onde leva o leitor até ao fim , apreciando a leitura,
ResponderExcluirvaleu ,
Efigênia Coutinho