5 de abr. de 2011

PERMANÊNCIA

Caio Martins













(Img: cvm - jackie2001 s/unbekannt)


Vês, nesta cidade ensandecida
esta casa escancarada?
Entra, fica um só instante.

Não há cadeiras, cama, mesa
só resta um poço com água.
O balde sumiu...

Havia um jardim, já sem flores
mas ainda há terra
não oxidada pelas guerras.

O telhado já caiu, não tenhas medo.
No porão há velharias
famintas de companhia.

Entra! Vem!
Num caco de espelho reflete
teu olhar de susto, tua vida
tão esperada pelas paredes mambembes
ameaçando ruir ao teu menor suspiro.

Estas ruínas pedem
que tua vida as habitem.
Este jardim só deseja
ver crescer capim, matinho...
Pedir flor
seria descabida exigência.

Não temas, não!
De nada importa o que sejas, ou ainda
o que pensas, venhas ser:
esta casa te aceita, não te explica.

Sempre parti cantando
sempre voltei amargo.
- Nunca fui bonzinho, perdoai!

Mas já sonhei, foi lindo
até a vida (re)voltar-se
e dar-me cuspida na cara.

O medo habita comigo
ulcera meu umbigo
corrói meu ânimo
macula meu beijo, mas te recebo
sem qualquer explicação.

(centro acadêmico de scs - a casa da esquina - I. 17/03/1968)

6 comentários:

  1. Os inimigos nos estimulam porque nos ferem o orgulho e acabam por nos forçar a uma atitude mas os Amigos simplesmente nos amam e como é bom ser amado! Um abraço.

    P.S. Aliás este teu poema é um cantar de amor.

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  2. Que maravilha de poema, Caio! Apesar de quase nada ter restado da casa, o convite a nela entrar inspira segurança. É a permanência do amor, da simplicidade e da gentileza - algo raro nos dias de hoje.

    "...esta casa te aceita, não te explica..."

    "...Estas ruínas pedem / que tua vida as habitem..."

    Não é preciso dizer mais nada...

    Beijos

    Márcia

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  3. Uma estranha casa velha, um lugar desconhecido, mas pronto para acolher que lá chega. Seria uma bela? Ou mesmo a Morte? Mistérios que o autor gosta de criar nos seus poemas...

    Abraço, Caio.
    Jorge

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  4. MILTON MARTINS6/4/11 19:12

    Caio, tenho um poema, um dos meus preferidos, que fala de borboleta azul e margaridas que revela ao observador melancólico que até nessas flores decadentes há um sentido de vida. Seu belo poema me lembra essa metáfora, qual seja a de que mesmo nas ruinas há esperanças, mesmo nas aflições, e um sentido de vida. Abraço. Milton Martins

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  5. Anônimo7/4/11 15:38

    Prezado Caio Que Charmozo Poema me da certeca que a humanidade ainda a e e a que teim que predominar no dia a dia issa faiz a diferenca.
    Um abraco na distancia do Chile o ultimo rincon
    Um forte abraco
    Javier Rojas Sieveking

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  6. Guaraciaba, é vero: aprendi mais com os inimigos - implacáveis até quando estamos corretos - que com os amigos - sempre generosos e complacentes até se estivermos equivocados. Fico, por isso, atento aos primeiros para aprender a viver, e de abraço sempre aberto aos segundos, para poder viver. Amar tem muitas faces, algumas insólitas...

    Márcia, fico vaidoso e feliz com suas palavras, conhecendo seu nível de exigência e de amor à verdade."Permanência" foi escrito em 1968; clandestino e bastante estropiado, o poeta... Mas é atual, vigente. Foi ao cerne, minha amiga! Aceitar sem justificativas ou explicações é a essência do amor, por mais loucura que aparente.

    Meu querido amigo Jorge Sader... o Amor e a Morte se degladiam, na Vida. O primeiro é um privilégio dos deuses, a segunda a única certeza, e a terceira uma aposta muito alta... Mesmo nos momentos mais críticos e desesperançados, o ser amado (duplicidade de sentidos?) nos redime. Sábias, as suas palavras...

    Grande Milton, conheço e gosto muito do "Etéreos", que quero lançar, na próxima semana, no Prosa e Verso de Boteco:
    ...
    Miro margaridas murchas
    (bem-me-quer, bem-me-quer!)
    Que se preparam para semente.
    Sinto o sol...
    mas não me aqueço.
    Num momento, surpreso
    confuso
    sinto o Etéreo, porém....

    Falamos, sem dúvidas, da mesma essência: a eterna e incansável preparação para semente. Forte abraço, Poeta.

    Javier, no me lleves a mal, pero me he divertido mucho con tu portuñol! Y me quedo feliz con tus palabras plenas como la más pura chicha, y el corazón de la gente buena de tu tierra! Ahí dejé mi sangre contra la tirania, y me llamaran de hermano, los compañeros de batalla. Gracias por tu visita!
    Y, "Viva Chile, mierda!!!".

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Na busca da excelência aprende-se mais com os inimigos que com os amigos. Estes festejam todas nossas besteiras e involuímos. Aqueles, criticam até nossos melhores acertos e nos superamos.

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