Caio Martins
Recebera, numa noite chuvosa e fria, mais uma mensagem da “ex”, intempestiva mulher que o deixara feito trapo de chão ao partir inopinadamente... Pedira-lhe não telefonar (a voz o detonava!) Dizia-se amiga, mas que “estavam num jogo perigoso” ao trocar “e-mails". Dos anos vividos juntos questionara: “- Foi tão ruim assim?” - e que não precisava ser grosseiro ao responder suas mensagens, patati-patatá... Pirou na batatinha! Escrevera em minutos, enviara a mensagem e suspirara fundo... Só releu longo tempo depois:
“Foi mal... E não tenho desculpas para a raiva, bronca ou, como diz elegantemente, "grosseria". Supõe, ainda, reações que uma mulher nunca teve ou terá, no mais das vezes rindo dos meus ou seus momentos de cio e impertinência. Não importasse, não teria suposto e errado. Então diz que sente saudade, sim, e me chama de ingrato... Ou nunca soube, sequer entendeu o que houve comigo até partir e menos ainda depois, ou faz jogo no mínimo irresponsável e noutro extremo, não importando as intenções, muito safado. Luz no picadeiro, a questão como sempre é a do método, todavia este nos trai na mesma proporção que o prazer do jogo nos atrai. Cremos que sempre é menos arriscado com time conhecido. As lembranças de pele são, via de regra, traiçoeiras. Amar é outra coisa, pelo que me penitencio.
Ficaram-lhe, porém, marcas profundas, além de um nome profissional que sempre exigirá explicações principalmente para quem nunca gostará de ouvi-las, às vezes um lugar, ou o comentário num filme, um gesto, cheiro, cor, insignificâncias, quando fantasmas sempre sairão do baú, pois se não há vontade de preservar o outro, NADA foi resolvido e o ciclo se perpetua, com ele péssimos momentos para mim, como os deste ano. Se não pensou nisso, é mais que hora. Não terminou. Tem de terminar. Se pensou, então haja bronca ante a sacanagem.
Fiquei na toca por sobrevivência. Deveria partir, queimar os navios, não deixar rastros nem traços. Deveria ter sido realmente grosseiro e dito que jamais a veria, ouviria ou leria de novo, que fim é fim, porta na cara sem o pé no vão do batente. Contudo, não fui capaz. Errei pensando que você seria. E toda vez na qual cheguei a pensar que, enfim, tinha superado o desastre, a moça vem, virtualmente (timidez?), começando tudo de novo. Qual TUDO? O que couber na pasta Sentimento de Perda. Nada desejável ou elogiável. É tão difícil de entender isso? Que remexer na cicatriz causa dor maior que a do ferimento? Êta! Dramalhão mexicano! Nelson Rodrigues diria diferente, que amor de pica é o que fica... Começamos mal, terminamos pior,e não acho um termo adequado para esta parte do roteiro definido por você como "ficando perigoso". Então, porque cutucar o pior de mim?
Aí, partido entre o orgulho de sabê-la bem sucedida, com promoção, apartamento, telefone, carro e esse "tudo" acima, entre a sensação de prazer por haver acertado plenamente na perspectiva de sua trajetória e o inferno da sua ausência (lá vai o Nelsão, de novo!), não posso adoçar, descartado, ao tê-la remexendo a lixeira. É pedir o impossível. O sintoma mais "dramático", destrutivo e corrosivo é ontológico: a mediocridade do ciúme. Coisas absolutamente imbecis como encher a cabeça perguntando com quem estará, dando para quem, vivendo o quê com quem, e se o tal quem (estranho nome!) sabe que a ... (evitemos palavrões, é grosseria, certo?) telefona e escreve gracinhas, filho da puta de um corno (ao menos intelectualmente...). Ou, do lado adversário, comprar provocação primária e dizer que a outra me mandaria tomar no cu (tanta delicadeza comove!), partindo para trocação (veja os combates do MMA) retórica.
Daí, o Bozzo se pergunta: puta que pariu!!! O quê essa &%$#@+-/|\ quer comigo, aqui quietinho no meu canto, tentando botar ordem na vida no pior ano vivido? Tá com saudade? Foda-se! Se aguente! Tá no cio sem macho? Vá se catar! E segue por aí adiante... É ruim! Muito ruim! Preciso de tudo, menos disso!
Se (ah!, esse infernal, traiçoeiro e covarde recurso patético de sempre deixar uma porta aberta...) não é nada disso, então fodeu tudo de uma vez! Aí só teria o caminho de sumir no mundo, e essa merda dá um trabalho do cacete; não estou mais para heroísmos. Sou eu, não importa como? Sabe o caminho! Não? Perdoe a teatralidade ridícula, mas, fique longe de mim. Não quero brincar mais, estou fora do jogo...”
Riu-se do (agora!) ridículo. Nunca obtivera resposta. Nunca mais soubera dela. Veterano de tantas “guerras” - aquela fora a mais dramática - selecionou o arquivo, apertou as teclas “Shift+Del”, desligou a máquina de fazer doido e foi dar peixe ao gato vira-lata na janela. Lá fora naquele outono magistral, tirante a luz amarela da rua, o mundo era azul...
(img: fabian pérez - el farol)
Recebera, numa noite chuvosa e fria, mais uma mensagem da “ex”, intempestiva mulher que o deixara feito trapo de chão ao partir inopinadamente... Pedira-lhe não telefonar (a voz o detonava!) Dizia-se amiga, mas que “estavam num jogo perigoso” ao trocar “e-mails". Dos anos vividos juntos questionara: “- Foi tão ruim assim?” - e que não precisava ser grosseiro ao responder suas mensagens, patati-patatá... Pirou na batatinha! Escrevera em minutos, enviara a mensagem e suspirara fundo... Só releu longo tempo depois:
“Foi mal... E não tenho desculpas para a raiva, bronca ou, como diz elegantemente, "grosseria". Supõe, ainda, reações que uma mulher nunca teve ou terá, no mais das vezes rindo dos meus ou seus momentos de cio e impertinência. Não importasse, não teria suposto e errado. Então diz que sente saudade, sim, e me chama de ingrato... Ou nunca soube, sequer entendeu o que houve comigo até partir e menos ainda depois, ou faz jogo no mínimo irresponsável e noutro extremo, não importando as intenções, muito safado. Luz no picadeiro, a questão como sempre é a do método, todavia este nos trai na mesma proporção que o prazer do jogo nos atrai. Cremos que sempre é menos arriscado com time conhecido. As lembranças de pele são, via de regra, traiçoeiras. Amar é outra coisa, pelo que me penitencio.
Ficaram-lhe, porém, marcas profundas, além de um nome profissional que sempre exigirá explicações principalmente para quem nunca gostará de ouvi-las, às vezes um lugar, ou o comentário num filme, um gesto, cheiro, cor, insignificâncias, quando fantasmas sempre sairão do baú, pois se não há vontade de preservar o outro, NADA foi resolvido e o ciclo se perpetua, com ele péssimos momentos para mim, como os deste ano. Se não pensou nisso, é mais que hora. Não terminou. Tem de terminar. Se pensou, então haja bronca ante a sacanagem.
Fiquei na toca por sobrevivência. Deveria partir, queimar os navios, não deixar rastros nem traços. Deveria ter sido realmente grosseiro e dito que jamais a veria, ouviria ou leria de novo, que fim é fim, porta na cara sem o pé no vão do batente. Contudo, não fui capaz. Errei pensando que você seria. E toda vez na qual cheguei a pensar que, enfim, tinha superado o desastre, a moça vem, virtualmente (timidez?), começando tudo de novo. Qual TUDO? O que couber na pasta Sentimento de Perda. Nada desejável ou elogiável. É tão difícil de entender isso? Que remexer na cicatriz causa dor maior que a do ferimento? Êta! Dramalhão mexicano! Nelson Rodrigues diria diferente, que amor de pica é o que fica... Começamos mal, terminamos pior,e não acho um termo adequado para esta parte do roteiro definido por você como "ficando perigoso". Então, porque cutucar o pior de mim?
Aí, partido entre o orgulho de sabê-la bem sucedida, com promoção, apartamento, telefone, carro e esse "tudo" acima, entre a sensação de prazer por haver acertado plenamente na perspectiva de sua trajetória e o inferno da sua ausência (lá vai o Nelsão, de novo!), não posso adoçar, descartado, ao tê-la remexendo a lixeira. É pedir o impossível. O sintoma mais "dramático", destrutivo e corrosivo é ontológico: a mediocridade do ciúme. Coisas absolutamente imbecis como encher a cabeça perguntando com quem estará, dando para quem, vivendo o quê com quem, e se o tal quem (estranho nome!) sabe que a ... (evitemos palavrões, é grosseria, certo?) telefona e escreve gracinhas, filho da puta de um corno (ao menos intelectualmente...). Ou, do lado adversário, comprar provocação primária e dizer que a outra me mandaria tomar no cu (tanta delicadeza comove!), partindo para trocação (veja os combates do MMA) retórica.
Daí, o Bozzo se pergunta: puta que pariu!!! O quê essa &%$#@+-/|\ quer comigo, aqui quietinho no meu canto, tentando botar ordem na vida no pior ano vivido? Tá com saudade? Foda-se! Se aguente! Tá no cio sem macho? Vá se catar! E segue por aí adiante... É ruim! Muito ruim! Preciso de tudo, menos disso!
Se (ah!, esse infernal, traiçoeiro e covarde recurso patético de sempre deixar uma porta aberta...) não é nada disso, então fodeu tudo de uma vez! Aí só teria o caminho de sumir no mundo, e essa merda dá um trabalho do cacete; não estou mais para heroísmos. Sou eu, não importa como? Sabe o caminho! Não? Perdoe a teatralidade ridícula, mas, fique longe de mim. Não quero brincar mais, estou fora do jogo...”
Riu-se do (agora!) ridículo. Nunca obtivera resposta. Nunca mais soubera dela. Veterano de tantas “guerras” - aquela fora a mais dramática - selecionou o arquivo, apertou as teclas “Shift+Del”, desligou a máquina de fazer doido e foi dar peixe ao gato vira-lata na janela. Lá fora naquele outono magistral, tirante a luz amarela da rua, o mundo era azul...
(img: fabian pérez - el farol)
desespero de um apaixonado! Boa crônica!
ResponderExcluirEntão... dor que dói mais é dor cutucada. A crônica pensa e repensa, circula, repete.
ResponderExcluirE´assim mesmo até passar; como está bem feito esse trabalho de revirar a tumba do amor! MAs, caro amigo, chega uma hora em que a gente não aguenta mais pensar no que foi, a coisa acaba dando enjoo, e então foi dado o shift+del sem a gente perceber.
Um dia, um belo dia...
Guaraciaba, quando excluímos definitivamente os arquivos, os venenos da paixão já eram... Só mandando para a lixeira, como diz a personagem, ainda podem ser recuperados. Grato pela visita. Abraços.
ResponderExcluirMinha querida Clélia! Que bom, vê-la por aqui! Pela "tumba do amor", a personagem se penitencia... Duro lhe foi revirar-se no caldeirão do inferno da paixão! Depois que passa pelo bendito "shift+del" interior, um dia, um belo dia há que limpar os resíduos tóxicos, até por mera precaução... e fica tudo azul! Beijos, e minha gratidão por sua existência.
ResponderExcluirRetrataste muito bem o acabado das coisas inacabadas (ou seria o contrário?). O quarto parágrafo é sobremaneira tocante.
ResponderExcluirUm abraço
Paixão é coisa comprida.Custa a acabar, e mesmo quando acaba permanece.É ver o sujeito na fila das Lojas Americanas, quando o mesmo está em outra cidade,e continuar bebendo da mesma marca de uísque, ou não jogar fora a camisola, já puída de que ele tanto gostava. Atingir o estágio da indiferença é o x da questão. Chega-se lá, mas demora...
ResponderExcluirMárcia, quem viveu, viu e sabe! Tudo fica sempre "ligeiramente inacabado". Há que aceitar e peitar desafios mas, algumas vezes é melhor e mais sensato sair correndo... Obrigado pela visita, e parabéns pelo seu artigo "Preconceitos? Tô fora!".
ResponderExcluirQue bom vê-la aqui, Terezinha! Concordo, mas paixão é programação perigosa, originalmente destinada a manter o casal junto até que os "filhotes" possam começar a se virar sozinhos. Uns três, quatro anos? Temos o direito inalienável de sermos felizes, ao lado da escolha de sofrer o quanto quisermos. E há que rir, depois que o dramalhão mexicano passa... Abração, minha amiga.
ResponderExcluirCaio, é muito bom nos sentirmos capazes de encerrar uma história, principalmente quando algo que esgotava e tirava forças se esgota. E como você bem disse à Terezinha, temos o direito - e, ainda mais importante, o dever de sermos felizes.
ResponderExcluirBeijos
Márcia
Pois, Márcia, de aí a necessidade, quando pressentimos um grande amor (jamais, uma paixão vulgar) de termos incansáveis zelo e dedicação, o propósito de cuidá-lo com o melhor carinho e persistência. Paixões não exigem mais que o irracional, amor requer trabalho delicado e paciência, inteligência e sensibilidade. As primeiras soem serem asfixiadoras. O segundo, liberta sem deixar "laços lassos". Vale uma existência...
ResponderExcluirGrato pelas palavras e pela presença.
Caio, amigo velho!
ResponderExcluirNão acredito que o "shift + del" resolva um problema desta monta. Dói mesmo!
Afinal, são dez anos, e não dez meses!
Abração,
Jorge
Caro Jorge, dez anos, dez dias, dez séculos, não importam. Há sempre o momento em que o teclado interior tem de teclar o comando certo. Deleta-se o o arquivo ou o programa.
ResponderExcluirAbração, Mestre.