7 de fev. de 2011

OPOSTOS

Caio Martins












(img: carnavalveneza/wikki)

Desde o início foste reticente,
não se perguntou se eu te queria.
Tomaste conta de mim
sem importar-te com meu pranto
e espanto de bofetada.

Houve momentos nos quais
não me dei conta de teu domínio.
Na memória nada resta, o resto
sempre foi teu pé na garganta,
a espada no peito, retilíneo
jogo unilateral.

Inerme
mal aprendi a defender-me
fraco
tentei mostrar-me astuto
insensato
me reconheci no teu oposto.

Julguei, nalguns momentos
tomar-te toda, sugar
os cálices de teu corpo
embebedar-me de teus licores
tomar-te sacrílego, fremente
até ter-te tonta e louca
incapaz de seres sensata.

Desafiei-te:
que esmagasses!
Brigaria e criaria tudo de novo
sem o pânico da alcatéia.

Perdi os momentos, movimentos
do solo desvairado, sem estréias.

E não houve também mulher alguma
capaz de suicidar-me
tirar-me tudo, o nada
que sempre tive... Que pena!

Mas tu, Vida
escorres a cada segundo
dentre meus dedos, te insinuas
e negaceias, me invades
e me deixas só.

A cada segundo, o irritante
é pressentir-te o sorriso no rosto.

No rosto
do teu oposto.

(Hotel Bradesco – Ribeirão Preto.
10/09/1986.)

10 comentários:

  1. Uma reflexiva poesia sobre a vida que muitas vezes nos tira tudo,nos deixa sozinhos,nos maltrata e mostra uma cara que não é sua!Gostei demais!Bjs,

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  2. Lucas C.7/2/11 19:37

    A vida e a morte tem a mesma cara, não pedem permissão para chegar. Dá uma sensação forte de sermos só joguetes nas mãos de seres malucos ou malvados. Isso que deduzo do poema. Dá para pensar.

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  3. A Vida de flui sem cessar, mas que também vai se apagando.
    É a regra, manda o Mundo... Beleza, Caio!

    Abraço,
    Jorge

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  4. Mas tem que ser assim mesmo. O oposto está em todas as faces que a vida nos apresenta.
    Grande abraço

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  5. O diálogo com a vida é sempre muito difícil quando defrontada com a morte. É como se esta última negasse a primeira... O interessante aqui, Caio, é que você conversa com as duas como se se dirigisse a uma mulher, a quem por vezes ama e por outras odeia.

    Beijos

    Márcia

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  6. Anne, há ironia sutil na passagem pelo planetinha: não nos perguntaram se queremos chegar, não sabemos quando vamos partir (a menos, é claro, que se resolva incidentalmente apagar a luz por conta própria. Mas, se aqui estamos, há que fazer valer a pena. Abraços.

    Lucas, de aí foram inventados deuses, demônios (os tais manipuladores mencionados) e o repúdio ao acaso. Havendo finalidade e função pré-determinadas, teríamos de acreditar nas teorias que nos destinam à destruição do planeta. Volte sempre, é um prazer.

    Pois é, Mestre Sader: o prazo de validade é indeterminado, mas indiscutível. Resta valorizar os amigos queridos, como você, e as pessoas que amamos. O resto é supérfluo. Abração, compadre.

    É vero, Rita: a eternidade imutável seria tremendo tédio. Nesse contraste, é fundamental não perder o bom humor e manter o prazer do desafio. Não haverá do que lamentar-se. Grato pela visita, forte abraço.

    Márcia, nada existiria sem seu oposto. A morte não nega a vida, apenas a completa e justifica. O recurso "romântico" ao feminino fica por conta da licença poética (tem costas largas, ela!) e para suavizar o tema, por si inóspito. Vai que nos apareça pela frente o tal sujeito encapuzado, com o alfange... Tétrico!
    Fosse a amada, a convidaria a fugir comigo para Buenos Aires, dançar tango no "El Viejo Almacén" e jantar em Puerto Madero. Poderia então partir "sin remordimientos". Beijos, minha querida amiga.

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  7. Obrigada pela visita e incentivo, Caio!

    Belíssimo blog e post!

    Um abraço,
    Vera

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  8. Vera, o imprevisível e seus estragos não me comovem: comove sim, e muito, a luta para sanar consequências e superar obstáculos. Venha sempre, é uma honra a sua visita; a casa é sua. Abração.

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  9. Danada essa Vida... Sempre um prazer te ler também, Caio. Tenho andado ausente dos blogs, mas aos poucos estou voltando. Abraço!

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  10. Nydia, de vez em quando as prioridades da danada da Vida exigem maior atenção, mas sempre achamos um tempinho. Sua visita e palavras muito me honram, sou-lhe grato por isso. Forte abraço.

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Na busca da excelência aprende-se mais com os inimigos que com os amigos. Estes festejam todas nossas besteiras e involuímos. Aqueles, criticam até nossos melhores acertos e nos superamos.

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