Caio Martins
(img: carnavalveneza/wikki)
Desde o início foste reticente,
não se perguntou se eu te queria.
Tomaste conta de mim
sem importar-te com meu pranto
e espanto de bofetada.
Houve momentos nos quais
não me dei conta de teu domínio.
Na memória nada resta, o resto
sempre foi teu pé na garganta,
a espada no peito, retilíneo
jogo unilateral.
Inerme
mal aprendi a defender-me
fraco
tentei mostrar-me astuto
insensato
me reconheci no teu oposto.
Julguei, nalguns momentos
tomar-te toda, sugar
os cálices de teu corpo
embebedar-me de teus licores
tomar-te sacrílego, fremente
até ter-te tonta e louca
incapaz de seres sensata.
Desafiei-te:
que esmagasses!
Brigaria e criaria tudo de novo
sem o pânico da alcatéia.
Perdi os momentos, movimentos
do solo desvairado, sem estréias.
E não houve também mulher alguma
capaz de suicidar-me
tirar-me tudo, o nada
que sempre tive... Que pena!
Mas tu, Vida
escorres a cada segundo
dentre meus dedos, te insinuas
e negaceias, me invades
e me deixas só.
A cada segundo, o irritante
é pressentir-te o sorriso no rosto.
No rosto
do teu oposto.
(Hotel Bradesco – Ribeirão Preto.
10/09/1986.)
Da interminável e densa e intensa batalha entre memória e história, o que resta são palavras. Só palavras.
Serão eventualmente garimpadas nos escombros do futuro. Estão convidados, porém, a revirar hoje o blogue pelo avesso.
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Uma reflexiva poesia sobre a vida que muitas vezes nos tira tudo,nos deixa sozinhos,nos maltrata e mostra uma cara que não é sua!Gostei demais!Bjs,
ResponderExcluirA vida e a morte tem a mesma cara, não pedem permissão para chegar. Dá uma sensação forte de sermos só joguetes nas mãos de seres malucos ou malvados. Isso que deduzo do poema. Dá para pensar.
ResponderExcluirA Vida de flui sem cessar, mas que também vai se apagando.
ResponderExcluirÉ a regra, manda o Mundo... Beleza, Caio!
Abraço,
Jorge
Mas tem que ser assim mesmo. O oposto está em todas as faces que a vida nos apresenta.
ResponderExcluirGrande abraço
O diálogo com a vida é sempre muito difícil quando defrontada com a morte. É como se esta última negasse a primeira... O interessante aqui, Caio, é que você conversa com as duas como se se dirigisse a uma mulher, a quem por vezes ama e por outras odeia.
ResponderExcluirBeijos
Márcia
Anne, há ironia sutil na passagem pelo planetinha: não nos perguntaram se queremos chegar, não sabemos quando vamos partir (a menos, é claro, que se resolva incidentalmente apagar a luz por conta própria. Mas, se aqui estamos, há que fazer valer a pena. Abraços.
ResponderExcluirLucas, de aí foram inventados deuses, demônios (os tais manipuladores mencionados) e o repúdio ao acaso. Havendo finalidade e função pré-determinadas, teríamos de acreditar nas teorias que nos destinam à destruição do planeta. Volte sempre, é um prazer.
Pois é, Mestre Sader: o prazo de validade é indeterminado, mas indiscutível. Resta valorizar os amigos queridos, como você, e as pessoas que amamos. O resto é supérfluo. Abração, compadre.
É vero, Rita: a eternidade imutável seria tremendo tédio. Nesse contraste, é fundamental não perder o bom humor e manter o prazer do desafio. Não haverá do que lamentar-se. Grato pela visita, forte abraço.
Márcia, nada existiria sem seu oposto. A morte não nega a vida, apenas a completa e justifica. O recurso "romântico" ao feminino fica por conta da licença poética (tem costas largas, ela!) e para suavizar o tema, por si inóspito. Vai que nos apareça pela frente o tal sujeito encapuzado, com o alfange... Tétrico!
Fosse a amada, a convidaria a fugir comigo para Buenos Aires, dançar tango no "El Viejo Almacén" e jantar em Puerto Madero. Poderia então partir "sin remordimientos". Beijos, minha querida amiga.
Obrigada pela visita e incentivo, Caio!
ResponderExcluirBelíssimo blog e post!
Um abraço,
Vera
Vera, o imprevisível e seus estragos não me comovem: comove sim, e muito, a luta para sanar consequências e superar obstáculos. Venha sempre, é uma honra a sua visita; a casa é sua. Abração.
ResponderExcluirDanada essa Vida... Sempre um prazer te ler também, Caio. Tenho andado ausente dos blogs, mas aos poucos estou voltando. Abraço!
ResponderExcluirNydia, de vez em quando as prioridades da danada da Vida exigem maior atenção, mas sempre achamos um tempinho. Sua visita e palavras muito me honram, sou-lhe grato por isso. Forte abraço.
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