Caio Martins
(img: grilhões. foto: lee garland/bbc brasil)
Os meus amigos sabem:
não zombarei das palavras.
Brincarei, contudo
com seu sentido, porém
exigirei de mim um instante
de disciplina e solidão.
As usarei, impunes
na comoção de moça reticente
justificação de noite mal dormida
prisão de ventre
dizer, do governo,
que é ladrão.
Desprezo montagens raras
purpurinas, holofotes
parafernálias visuais...
Bastam-me um lápis, um papel
a voz que não conseguiram calar
nesta curta eternidade consumada.
Desajeitado escriba menor
deixarei as palavras me aliciarem,
eternas visitas inconformistas
feias cicatrizes em feridas
limpando a bunda com mentalidades torpes
demasiado preocupadas com críticos de arte.
Nem brincar com palavras
nem versos como armas, nem
grilhões dourados de escolas, estilos, imposições:
chegará o dia de estarmos todos mortos.
Destilarei meus humores
meus amores
meine Weltanschauung estropiada
mi tesón por la vida como vierem
escrevendo, escrevendo, escrevendo
e me bastará que em meus versos
meus amores se riam, festeiros
meus amigos me abracem,
meus inimigos me desconheçam.
Os restos são o sentir latente
lancinantes gestos, viveres, fatos
consumidos sem tratos
longe de tantos sóis, patéticos
aplausos de deuses, demônios formatados
como peixes fritos
num prato.
Pensão da Zulmira - 26/06/1987.
Da interminável e densa e intensa batalha entre memória e história, o que resta são palavras. Só palavras.
Serão eventualmente garimpadas nos escombros do futuro. Estão convidados, porém, a revirar hoje o blogue pelo avesso.
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Escriba menor?
ResponderExcluirAguardo quando for maior!
De resto, Caio, todos sabemos do seu horror por banalidades.
Abraço,
Jorge
Bravo, Poeta!
ResponderExcluir"...e me bastará que em meus versos
meus amores se riam, festeiros
meus amigos me abracem,
meus inimigos me desconheçam."
Coisa mais linda, Caio!
Olha, já procurei por todos os cantos deste espaço algum indício de um "escriba menor" e nada de encontrá-lo :-). E não seria mesmo possível, em se tratando de alguém que diz:
"...exigirei de mim um instante
de disciplina e solidão."
Obrigada pela partilha.
Beijos
Márcia
Gostei de conhecer seu blog, Caio.
ResponderExcluirO poema é forte, desassombrado.
Abraço.
O 'escriba menor', como estranharam Márcia e Jorge, se supera e nos supreende a cada novo patamar.
ResponderExcluirPenso e/ou sinto que você joga suas palavras no fogo e com elas cria um incêndio de onde sai ileso. Boa semana.
ResponderExcluirMestre Jorge, tem mais jeito, não... Daqui para a frente a gente encolhe, para terminar o prazo de validade. Banalidades até são consideradas, duro de engolir é fricote de Jênios... Lendo o rascunho do seu novo romance: é coisa de gente grande, me'rmão...
ResponderExcluirMárcia, grato por suas palavras, sempre tão amáveis. "Amores festeiros" são extraordinários. A origem está no seu belíssimo "Trilogia":
"O amor surgiu, leve e passageiro,
trazendo a febre de um furor festeiro".
Tenho grandes Mestres, dentre eles você se destaca. Beijos, minha amiga querida.
Dade, feliz pela sua presença, acompanho o "Primeira Fonte" e, permitido me fosse, assinaria junto seu artigo "Best sellers’, nem sempre ‘best reading’". Ainda existe vida inteligente no planeta...
Aracéli, descuidei por meio século dos escritos; muito se perdeu, o que não traz nenhum mérito. Este blogue deveria chamar-se "Salvados de Incêndios" e, se em livro, lhe pediria o prefácio. Há preciosidades e porcarias, reconheço. No fim, se equilibram. Beijos, maninha.
Teresinha, você mesma diz, em Essências:
"Desnudar o mistério da essência
Aos quatro ventos e cantos
É ato de coragem ou mera tolice...
Mas de jeito qualquer
Exige coração forte
E fraco juízo."
Ri com prazer! E, algumas vezes, muita sorte... Feliz por sua presença, e faço deste seu poema minha oração matinal com o café misterioso que mais some quanto mais dele se precisa. Abração.
Belo poema. Forte, na linha de frente.
ResponderExcluirLembro-me bem, Beatriz, das tétricas discussões sobre "nova poesia", "neoconcretismo", "matemática da poética" e que tais, nas últimas décadas. Ao "modernismo" importado mal digerido sucederam-se muitas dores de barriga mal cuidadas por patrulhas culturais e ideológicas. Como se diz na periferia, 'tô fora!. Prefiro Caju e Castanha... Abraço, grato por sua visita. A casa é sua.
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