12 de mai. de 2009

NOTURNO 1968


Caio Martins
Para Chyntia de Assis.









(imgart: cvm - jaquie 069 . fundo: delacroix 1830)

Perdido
neste mundo tamanho de deus
escondido em mistérios
tombei exausto sob minhas bandeiras...
Tamanho de deus...
Deus
deus
deus... E DAÍ?

Cynthia! Cynthia...

O arrebatamento, a surpresa
a sensação incontida
a perdida estréia
a tensão de bastidores sem platéia
a mão e a mão
a boca e a boca
o corpo e o corpo
a vida e a vida
eclodindo qual um raio
que me parta
ou o parto eu.

Seguia só, ia
soturno, taciturno
impenetrável
marcando na rua um compasso
no silêncio um traço
pelos desconsolados do mundo,
imundo
de humanidade
ia sujo nos ossos
pele, olhos, sexo, boca, ouvidos atentos
pulmões
contendo brados
murmúrio revoltado
e o espúrio senso do cansaço
de brigar com a vida
a refletida decisão
de brincar com a morte
porém seguia, ia
sem palavras novas
provas
de não ser o que sou, ou sou
que se dane!

Ao te encontrar, te perdi
ao chegar, tu partias.

Meu corpo tocou teu corpo
como folha que cai
pela terra que a consumirá.

Cynthia!...

Poucos são, e de fisionomias sujas
os que conhecem minha tímida ternura
a ríspida dor de minha noite partida.

Perdido
fui até cair exausto, abatido
até a última fibra inútil.
Mulher, mulher,
não te deixo mais
que um espasmo, rubra
orquídea no seio, a marca
de minha mão incontida.

Agora, sobre tuas mãos
amada
vês como pesa?

Cynthia!...

Eu só trago
este farpado carinho, a amarga
certeza de nada encontrar
feito.
Mulher, mulher minha
eu só trago meu jeito tosco
e meu amor por ti
é folha que se derruba atraída
pela terra que a consumirá.

Centro Acadêmico de São Caetano do Sul - 23/09/1968.


3 comentários:

  1. Talita Bueno - SP13/5/09 13:23

    Imagino a intensidade desse amor como você já disse "nos tempos de fúria". Esse poema dá um livro, é só começar a escrever, as grandes paixões surgem quando tudo está contra, imagine um indo para a clandestinidade e depois o desterro e a outra arriscando tudo para estarem alguns momentos juntos num clima dramático. Também tem que escrever sobre isso.

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  2. CAIO
    Você datou seu lindo poema, retornando aos idos de 1968. Olha que conheci "uma" Cinthia daqueles tempos, hem. Centro Acadêmico, esse e outros pontos de ótimas referências.em SANCA. Mas, o que importa é a qualidade de seus poemas, que não economizam expressões de amor e ternura, eta palavrinha complicada esta. Parabéns. Milton Martins - Piracicaba

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  3. Nunca li um texto de Caio que a verdade não estivesse presente. Ele não enfeita, vai direto, e sabe contar. Com Delacroix ao fundo! Parabéns, amigo.

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Na busca da excelência aprende-se mais com os inimigos que com os amigos. Estes festejam todas nossas besteiras e involuímos. Aqueles, criticam até nossos melhores acertos e nos superamos.

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