Da interminável e densa e intensa batalha entre memória e história, o que resta são palavras. Só palavras.
Serão eventualmente garimpadas nos escombros do futuro. Estão convidados, porém, a revirar hoje o blogue pelo avesso.
15 de dez. de 2009
PENSÃO DA ZULMIRA
Caio Martins.
(img: cvm - jaquieO3A - 2001)
Zulmira ficou prenha
nem bem saiu de menina...
Botada que foi na rua
virou-se pelas esquinas.
Virou-se de madrugada
juntou cacarecos do chão
levando em cima o filho
virou dona de pensão.
De dia enche a barriga
de bandos de comensais
de noite dorme encolhida
suspirando antigos áis.
Tem olhos de galardia
tem jeito de comichão
todo o resto ficou velho
embora diga que não.
Cozinha, lava e passa
diz sempre que não dá mais
se remexe cheia de dengues
produz cenas teatrais.
Manda à puta que os pariu
diz pencas de palavrões,
na desforra grita sempre
que maluca é o cú da mãe.
Quando lhe disse, porém,
da minha partida tão perto
botou-me seus olhos d’água
botou flores em meu quarto.
Não mais cobrou a comida
chorou de se consumir.
Foi a última inocência
que me restou no Brasil.
(Pensão da Zulmira - 23/06/1987)
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Muito lindo mesmo. Mas não precisava usar palavrão, acho que quebra a delicadeza e fica meio sem jeito, se tirar o verso vê que não faz falta. Mas o dono dele é você e terá lá suas razões. Não sei por que lembrei do "Dois perdidos numa noite suja" de Plinio Marcos... Gostei também do novo nome, o outro era uma porcaria.
ResponderExcluirBeijão da Ligia.
Dizem, e está sendo confirmado, que atrás de toda desregrada existe uma santa. Os contrários que se encontram. Foi fundo!
ResponderExcluirAbraço, Caio.
Caio
ResponderExcluirO fato dos palavrões da pesada, como acentua a Ligia, veja que a despeito de tudo, a Zulmira tinha lá seus modos de ternura. Cara, quantas vezes já me deparei com esse tipo de indivíduo que num dado momento contradizem toda aquela irreverência e sai para um gesto inexplicável, uma surpresa boa para não esquecer.
Sds. Milton Martins / SP
Belo poema, Caio.
ResponderExcluirA Zulmira tinha razões de sobra para usar palavrões, né não? ;-)
Beijos,
Márcia
Lígia: tem sempre boa dose de razão. O nome era realmente uma joça. Dos palavrões, tirei vários e mudei o verso, antes de publicar... E, de fato, éramos mesmo dois perdidos naquela ocasião, naquela cidade. Obrigado pela franqueza, dádiva rara desde sempre.
ResponderExcluirJorjão,de pura para puta basta um erro de dedo no teclado... Não tinha maldade,era uma guerreira, acima de tudo.
Milton, não havendo ilusões, não há surprezas e primam os vínculos essenciais. Arthur da Távola tem um poema, o Afinidades, que encerra o tema.
Márcia,a rua ensina o vira-lata a sobreviver; tanto a latir, quanto a morder. Mas na literatura, como na vida, palavrão é como arma: não puxe se não vai atirar. Há que usar com cuidado. Gostei do plural.
Muito carinho por vocês.
Gosto de ler da Zulmira, á forma que responde os comentaristas daqui..
ResponderExcluirgostei de ler a forma onde toda a delicadeza do sentir aflorou, mesmo sendo uma mulher de rudes palavras, ou de rude viver..no final foi apenas "mulherzinha", como qualquer outra, saudosa do amado que vai..
bjs anjo,
Chris
Pois é, Christi, a pequena mulher e grande lutadora infelizmente escolheu o sujeito errado na hora errada... Chorar juntos ajudou, no momento, cada qual enrolado na sua paixão impossível da vez. A respeito, leia "Aquarela", abaixo:
ResponderExcluir[...]
e assim nos retratamos, inúteis
nada mais que um homem
nada além de uma mulher.
Muito carinho, e grato pela presença.