Caio Martins
Para Evanice.

Ficava até quinze dias fora. Num dos retornos, ano e meio depois, a mulher dissera que a menina tinha um namorado, soldado de polícia. Que estava preocupada, saíra já algumas vezes, sábados, voltando na manhã de domingo. Acontecesse “alguma coisa” e poderiam ser responsabilizados. Domingo pela manhã, chamara o soldado. Tinham de conversar. O rapagão, a paisana, sentara à mesa da cozinha, tirara um Colt 32 “cavalinho” da cintura e o pusera perto da xícara de café. Pedira-lhe um momento.
Voltara com uma Gebruder Merkel 12 e uma Browing .38 e as pusera sobre a mesa, o rapaz patético e estupefato. “- Bom, você me mostrou o seu, eu lhe mostrei o meu! Agora, vamos conversar!” - dissera. Eram tempos em que o cidadão de bem podia ter armas. Olhar duro e fixo, voz baixa e cortante, crivara tanto o estafermo de perguntas que este começara a empalidecer. Depois, impusera condições de horário, dia de visita, enfim, nem o mais zeloso dos pais faria melhor. Não mais ouviram falar dele.
Conversara, ainda, com a mocinha. Quisesse ali permanecer, havia regras. Que a mulher a levaria ao próprio médico para exames, já que ficava a maior parte do dia com o menino, pois vai diabos saber onde o tralha metera o pinto antes de estar com ela. Chorara aos solucinhos, dissera que fora tudo um desastre, nunca mais queria ninguém. Assim ficaram até a separação. A mulher, farta da solidão, pegara o menino e se fora para a casa da família, em outro estado. A moça voltara para a casa da irmã.
Num domingo, cedinho, aparece-lhe à porta. Entra, senta-se comportadinha à mesa. A casa, à venda, uma bagunça. Diz-lhe estar preocupada com ele, e pergunta-lhe se podia falar algumas coisas, mas tinha vergonha. Reponde que sim. Olhando por baixo, os grandes olhos castanhos indecisos, enrubescida, pergunta se lembra de um verão quente, quando dormira na sala. Conta que o vira chegar, temera que a tocasse e só fora delicadamente coberta com um lençol azul. Mudo, levanta a sobrancelha esquerda, meio sorriso aparecendo.
Inquieta, diz que a ex-mulher falara que era cavalheiro e delicado, paciente e carinhoso, enfim, fizera muita propaganda. Ele? Lembrava-se, nunca saíra da memória, de olhares furtivos e principalmente da noite do sofá, ela descoberta, a camisolinha ao desamparo, pernas, braços, a calcinha rosa ridícula, cabelos úmidos de suor, os traços de impensável beleza. Mas, era um vendedor, jamais um ladrão. Tinha o sentido de tempo certo para fechar negócios.
- Se eu tivesse mexido com você, o que teria feito?
- De verdade? Nada! Eu sabia que você me olhava diferente... Eu queria.
- E ainda quer?
Faz que sim com a cabeça, sem olhá-lo, um riso nervoso de permeio. Já não era criança, tinha até título de eleitor. Mas, tinha também medo denso, o soldado toupeira a magoara muito. Não por grande: por bruto. Por fim, a moça levanta o rosto e o encara. Ali começa um período de amantes desbragados durando meses. Enfim, ele vende a casa, busca a mulher e a cria, ela caça o soldado e lhe ensina umas tantas coisinhas que um homem deve saber sobre as mulheres, mesmo sem garantias, para ninguém, de viverem felizes para sempre.
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