(Aviso: politicamente incorreto, contendo
expressões inadequadas e chulas, palavrões e violência, etc., etc. etc. Aprecie
com moderação.)

Ninguém mais ria. Fora ao restaurante para
entupir-se de pizza e vinho, zoar com os amigos e rir de suas presepadas. Evitava,
como o Capiroto foge da cruz, entrar em tumultuados debates e filosofadas
inóspitas: pegava pesado e chocava a plateia. Instado ostensivamente por
brilhante advogado matreiro e provocador a opinar sobre os destinos da
proliferação compulsiva da espécie humana, desta vez escapou-lhe o freio de
mão, já em pleno estágio de pudim de manguaça. Grandalhão e de voz dominante,
impôs-se:
“- Tô de saco cheio dessa puta hipocrisia de
acharem que basta ser bicho-gente pra ser a maravilha do universo. Somos a pior
desgraça que há. Destruímos tudo, todas as espécies incluindo a própria... Por
que serei responsável pelos filhotes alheios dum animal sem prumo e nem rumo, do
topo da cadeia alimentar, que entope seu habitat desvairadamente ao ponto de
termos pouco planeta pra gente demais? Quem fabrica, que se ocupe dos seus
monstrengos, porra!
A justa é esta: nada é tão destrutivo, safado,
pernicioso, hipócrita, canalha e predador quanto nós, bicho-gente. O resto é
masturbação mental, cinismo, sacanagem e esquizofrenia. Vão sifu, caiam na
real: estamos aqui para foder com tudo! E tchau e bença! ‘Tô indo!”... Catou as
tralhas, jogou uma nota alta na mesa perplexa e ganhou a rua.
Ninguém. O risco de assaltos aterrorizava o povo
entrincheirado em suas tocas. Não deu outra: na esquina, chegando ao carro, cercaram-no
dois malacos, de moto e armados. Foi tudo rapidíssimo. Simulou pavor e mal
estar e, quando o primeiro veio pegar-lhe os trens, puxou o trezoitão e mandou
o dedo. Tiro na cara. O segundo abestalhou-se e nem viu – um centésimo de
segundo depois – de onde veio o tiro que o atingiu nas costas. Levantou-se
célere, ainda que zoado pelo vinho, arrematou o serviço e vazou da cena do
crime pisando fundo. Nem sirenes, nem perseguição. Chegou ao apê são e salvo.
No outro dia levantou-se detonado. Depois da tradicional mijada histórica,
olhou-se ao espelho: deu-se o infarto fulminante.
No velório muito concorrido, só fala-se do melhor
sujeito já havido. Morreu, virou santo. Num canto, vestida elegante e esmeradamente
de preto, sensual, a mulher que viajara longas horas observa, isolada. Chega a
viúva e pergunta-lhe se conhecia o defunto. Ela sorri, crava na fulana um olhar
castanho-claro meigo e doce, mas perfuro-cortante, e diz suavemente:
“- Sim! Foi grande! Um grande filho da puta...
mas, o amei... Muito!”...
(scs, 06/08/15. img: natalie portman – divulgação)
Claro, conciso, direto e muito bem escrito. Final excelente. Coisa de mestre, amigo Caio.
ResponderExcluirAbraço
Ah, esses amores desvairados que não veem cara e talvez...corações
ResponderExcluirMuito boa crônica, Caio. Daquelas de ler sem se distrair por um segundo.
ResponderExcluirAbraço
Obrigado, meus amigos! Deixamos o blog abandonado por uns tempos, é hora de retornar...
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