Caio Martins
Para Simone.
(img: cvm - den222A - 2003)
corre, me sinto mal...
Chama a yalorisha, me traz
um rum, rumpi, um lê
uma cachaça, porção de sal...
Ardo em desolação...
Corre, menina clara
vem, eu nada quero
só este vinho batizado
esta sopa de cebolas
estas sobras de solidão
feito restos de feira,
quero
levar São Paulo no bolso
explodir na Consolação.
Sôfrego, consumido
quero afagar delirante
teu corpo magoado
alucinar-me com o gosto
de teu suor, saliva, licores
beijar-te, beijar-te,
quero
tocar-te fundo, mais fundo
vezes, mais vezes
sobre mim
não pesarás...
Há um grito nas ruas.
No dolorido silêncio das ruas
há um fulgor na noite...
Será fulminante espetáculo
chama os bombeiros e vira-latas e suicidas
um poeta vai implodir no berço esplêndido
desta pátria mal nascida.
Escorro
pelos vãos de meus medos,
pelos vãos de teus dedos.
Menina de olhar claro
qui tollis peccata mundi,
miserere nobis...
mas, corre!... corre!
Ardo em desolação...
(06/07/1987. Pensão da Zulmira.)
"...quero
ResponderExcluirlevar São Paulo no bolso
explodir na Consolação..."
E este querer continua, não é mesmo? É como se o tempo não tivesse passado...
Belo poema, Caio!
Beijos
Márcia
Caio
ResponderExcluirTava demorando para voltar. Quanto à Consolação embora ela inspire amores para você, o que é muito bom, eu também tenho meus vislumbres interessantes dessa rua tão paulistana. Hora dessas continuo o relato em "alucinações paulistanas". Bonito poema. Abraço. Milton Martins,
Amor flutuando, paixão fervendo, loucura passional fluindo. São os igredientes da sopa de cebolas do Caio.
ResponderExcluirAbraços
Jorge
Caio,
ResponderExcluirsó a Pensão da Zulmira já daria um bom livro, hein?
Abraço.
Clélia Helmann
Adorei o poema...
ResponderExcluirAndei sumida, mas estou aqui de volta!!
Beijos!
Márcia, dentre as cifras e códigos do poema, há realmente essa querência irreversível, grudada nos poros, na pele, na sola dos pés... não há consolação que resolva.
ResponderExcluirMilton, às vezes, temos de tomar distância do que envolve muito para ver mais claro. A "Rua da Consolação" pode estar em qualquer lugar do planeta, bastando que, ali, haja um amigo. Aguardo, expectante, suas "alucinações paulistanas", certamente de incomparável teor.
Caro amigo e cúmplice Jorge Sader (afinal, você começou essa engronga dos blogues) que seria de nós sem paixões alucinantes, amores impossíveis e uma sopa de cebola no fim da madrugada?
Clélia, esse foi o projeto; continua sendo. Faltam alguns antigos poemas renitentes, esconsos em misteriosos escaninhos do tempo. Há que ter paciência para que se revelem - a memória "jurássica" nos trai, amiúde.
Sol, é sempre uma honra e um prazer, a sua visita. Fico feliz por ter gostado do poema, resgatado a duras penas, como disse à Clélia... Algum paleontógo conhecido?
A todos, forte abraço e muito carinho.
Belo poema pela cena, cenário, e simbolismos "embutidos". Como consignou Jorge Sader, é expressão de "Amor flutuando, paixão fervendo, loucura passional fluindo". O "pátria mal nascida" define o inconformismo também com outro amor e paixão... Não é fácil ser brasileiro.
ResponderExcluirLírica urbana de um homem de muita alma.
ResponderExcluirBárbara, Nada é a alma do poeta senão cinzas que o vento espalha e que místicas mãos misericordiosas recolhem aos pouquinhos. Líricas como tu, que te ilustras telúrica, e te dizes, de ofício, "escrava"... Quiçá, da busca do melhor da vida, enquanto Pessoa resmunga: "Ai de mim e dos comigos de mim".
ResponderExcluirPS.:(não te preocupes com o blog desformatado... Jorge Sader e eu somos mestres nesse ofício! Toca a montar tudo outra vez.)
Guilherme, realmente, não é fácil. Num seminário recente, um jovem disse: "... consumimos imposições ideológicas e culturais de segunda mão, as imitamos piorando desastradamente e destroçamos nossas raízes, e ainda por cima aplaudimos delirantes nossa absurda estupidez..." Há consciência emergente na juventude, não percamos a esperança.
ResponderExcluirGrato pela sua visita. Volte sempre.