Da interminável e densa e intensa batalha entre memória e história, o que resta são palavras. Só palavras.
Serão eventualmente garimpadas nos escombros do futuro. Estão convidados, porém, a revirar hoje o blogue pelo avesso.
18 de nov. de 2009
TIRO NO PEITO
Caio Martins.
(Despedida de São Paulo - 11/07/1987)
(img: estação júlio prestes - scrappercity)
A cada dia
me despeço um pouco de ti,
lento tiro no peito.
O copo até a boca
teme a gota derradeira.
O corpo do poeta
te percorre, lento
a pé. A passo
percorro teu espaço
num carinho direto
e orbital.
A cada sol
a cada rua
madrugadas
o corpo até a boca
teme a gota derradeira.
O copo até a boca
e meto-lhe o dedo adentro.
Despeço-me de São Paulo
aos poucos, lágrima
escorrendo devagar no vinho
espraiando
nos vincos acres
da boca amarga.
Aqui
não vendi meus versos nas esquinas
não os pendurei nas quinas
de prateleiras e vitrais...
Bati-me a bala, pancada, palavras
ideais...
O nó na garganta
a cabeça oca
passo por estas ruas infelizes
desta cidade sortílega
e infernal.
Profissional de despedidas
vou cada dia um pouco
sem rancores ou revoltas.
A cidade entorna o copo, teatral.
Ah! Como te amo, cidade prostituta
ladra, megera dissoluta
meretriz astuta
marafona demencial...
O copo entornado
na camisa branca
é, a cada dia esvaecente
tua carícia indecente
rubra, despudorada, sem jeito.
A cada dia pungente
é mais um tiro no peito...
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Romper laços consolidados, sejam quais forem, é sempre doloroso e difícil.
ResponderExcluirAbraços.
Sampa??? Foi pra Sampa????
ResponderExcluirO Caião tinha cachaça no meio tá ligado!!!! se era pra Sanca ainda tá na fita + to achando que nos 87 o babado era diferente.... Tá bonito mano.. e fui...
Linhas explícitas de amor, onde a bala não era um doce e ainda por cima perfurou-lhe os sentidos. *um abraços da Rosa**
ResponderExcluir>Jorge, não se rompem mas é nunca... Deixei e voltei a São Paulo tantas vezes, que ficou como aquela história do "nosso amor é sem-vergonha"...
ResponderExcluirLima, saudade é uma coisa, realidade atual, outra. Nos "87", o que feria era sentimento de perda... Hoje, é bala mesmo!
Rosa, feliz com sua visita, que também "perfura os sentidos", às vezes impermeabilizados e que precisam dar vazão a tantas vivências. Obrigado, volte sempre!
é tem coisa que vai viver com a gente a vida toda...de balas ou de ideologias perdidas é que fizemos nossas vidas terem sentido porque ainda acreditamos no homem. Parabéns
ResponderExcluirZê, tudo viverá conosco a vida inteira, se quisermos que tenha sentido. Nada foi perdido, nos mistérios das palavras, combates e paixões, as coisas se revelam. Vale a pena, sempre.
ResponderExcluirAo contrário de ti, continuo acreditando nas mulheres... Beijos, em vermelho e preto!
Sabe Caio, acho que estamos a todo momento vivenciando despedidas. Viver é este atar laços e, de repente, perceber que os mesmos se romperam. Mas eles só se rompem fisicamente, pois já fazem parte de nossa história de vida.
ResponderExcluirLindo poema.
Beijos
Márcia
Pois é, Márcia. Com as décadas, são tantas perdas e partidas, tantas chegadas e encontros que, dá a impressão, não sobreviveríamos...
ResponderExcluirDificil é catar pedaços daqui, cacos de lá, enfim, permanecer na saga da vida e seu roteiro. Sobreviventes... Ao mesmo tempo duros e frágeis como cristais.
É...rapadura é boa, mas não é mole...
ResponderExcluirLindo poema...não cheira a rapadura e sim a ditadura! Deu pra entender o que quis dizer? rss...
um beijão pra ti piá!
Mari, Mari... isso foi muito depois da ditadura, piazinha! Fui para a Argentina, para ficar perto dos filhos, e na partida foi muito complicado... Tive de separar-me de lugares e pessoas queridas.
ResponderExcluirFoi um exílio voluntário. Voltei três anos depois, e encontrei tudo de cabeça para baixo. Coisas da vida...
Beijos, estranha!