18 de jan. de 2017

AÇÃO E REAÇÃO...

Caio Martins.

Calejado, encobriu-se atrás duma coluna de concreto, calibrou manualmente a câmera para grandes sensibilidade, velocidade e profundidade de campo, jogou o zoom ao limite. A parede de tijolos estruturais vazados não resistia aos tiros de fuzil, estralando em furos e o risco era significativo. Teria de ser rápido, tirar bom número de fotos sem expor-se e novamente amoitar-se na largura dos 30cms de concreto e aço. Adrenalina fervente. 
No exato instante em que focou o cenário de guerra, malacos mandando bala do alto do morro e a polícia encantoada respondendo, viu aquela bunda maravilhosa, a dona de quatro a gritar “me tirem daqui”, tentando esconder-se atrás dum poste já bastante pipocado e tome bala no pedaço. A maluca viera cobrir tiroteio de salto alto, calça preta colante de cintura baixa desvendando o vale das sombras e camisa branca... 
Viu ainda ter ela cabelos negros e tentar proteger a cabeça com as mãos. Ao lado, uma câmara com lente padrão e, à frente, outra com teleobjetiva. Focou o morro com sua velha e inseparável 100-400mm, tirou um monte de fotos e, num arroubo inexplicável, largou seu equipamento, correu para a fotógrafa, pegou as máquinas, catou-a pela cintura e arrastou-a no muque para seu covil. Era uma linda mulher! 
Ainda a abraçá-la perguntou-lhe se estava bem. Respondeu que sim, só apavorada. Disse-lhe que era louca de entrar numa refrega vestida daquele jeito e que tinham de sair dali. Respondeu que ninguém tinha nada a ver com isso e que não sairia, tinha um trabalho a fazer e ia terminá-lo. Estava lívida, olhos negros arregalados e tremia. Cheirava a sabonete de amêndoas. Apaixonou-se no ato, perdidamente. Ficou. 
Horas depois, já enviadas as respectivas fotos às redações, sentaram-se à mesa dum boteco tipo mosca-frita. Ela pediu café, ele um martelinho de cachaça, uma latinha de cerveja vagabunda e temerários bolinhos ditos de bacalhau. 
- Então, você é o grande Jorge! O maior fotógrafo de pancadarias do país! Que honra! 
- Pois é... e você é a foquinha neófita que gosta de ficar de bunda de fora no meio de tiroteio! 
Riam muito, já tocando-se as mãos, quando três ferrabrases adentraram o recinto e, na boca das armas, levaram-nos. Nunca mais foram vistos.

6 comentários:

  1. Se disser que gostei, estou fazendo por menos. Adorei, amigo Caio!

    ResponderExcluir
  2. Emoção na manhã de domingo!... Reviso velhos guardados e encontro e-mails (antiquíssimos!) trocados com um amigo querido que só conheci pelo execrável meio eletrônico (que ele também trocaria pela sua velha Lexicon 80). O tempo impiedoso em algum momento interrompeu o contato, mas não o conseguiu com as lembranças do espírito em comum, da amiga também em comum - M.P.V. - cujas iniciais mais lembram aqueles "aparelhos" dos tempos negros da ditadura. A alegria de reencontrá-lo mesclou-se à tristeza por ter deixado o tempo se mostrar forte para afastar duas cabeças tão intimamente unidas pelas idéias e mútua admiração. A busca resultou num e-mail da época em final "@cebinet.com.br"... Será que isso ainda existe? Melhor não arriscar. O "Recanto das Letras" não chegou sequer a ser cogitado, atropelado que foi pela ansiedade de um estender mais direto de braços. Daí que parti para os "Coments" do Blog. Quem sabe? Saudade não tem prazo de validade, e o intervalo dos anos deve, certamente, ter ampliado tantas outras afinidades. Tentando reconectar... E quem sabe retomar experiências do que já se mostrou tão forte.

    ResponderExcluir
  3. Comentado. Eu e Caio escrevemos juntos faz tempo. Mais de nove anos.

    ResponderExcluir
  4. Caraio mano, que final cavernoso!! Rêrêrê!!!!

    Escrita limpa, direta, fluída e realista. Gosti!

    ResponderExcluir
  5. Oi, Caio.Gosto de maneira de escrever. Não consigo fazer nem parecido. Meus textos são cheios de acidentes e incidentes, como um choro que nunca se sabe para lado vai, nem que nota vem depois. parabéns. Venha ler meu Noite em Paris e dizer alguma coisa.Eu fico agradecido.

    ResponderExcluir
  6. Gosto demais deste estilo, velho Caio de guerra! Ficou ótimo!
    Abração!

    ResponderExcluir

Na busca da excelência aprende-se mais com os inimigos que com os amigos. Estes festejam todas nossas besteiras e involuímos. Aqueles, criticam até nossos melhores acertos e nos superamos.

Categorias, temas e títulos

Seguidores