Para Jeanne.

Achou, num site de postagens de vídeos, Clara Nunes com “Canto das três raças”, de Paulo César Pinheiro e Mauro Duarte. E já o nó apertou feio no gogó... A ouvira pela primeira vez estando fugido em país inóspito, depois de uma guerra. O “brazil”, ainda era o Brasil, mesmo que envolto em chumbo naqueles idos de 1974. Clara clareara o exílio externo, o interno. A alegria de Clara, a beleza, a graça, a sensualidade, a voz... e a revivência daquela fase jamais transcrita, dos tempos em que se julgava imortal. Suspirou fundo, de cortar o coração. Clara era morta... Clara não estava mais...
Buscou frenético, para recuperar-se e despedir-se do verão, “As rosas não falam”, de Cartola, com Beth Carvalho, felizmente viva... E o efeito foi devastador... Por injunções temerárias sabe-se lá de que raio de divindades, passaram-lhe, uma a uma, as mulheres amadas, as paixões perdidas, os grandes amores idos... não voltariam ao jardim. Engoliu vezes em seco, o nó apertando devagar, sem pressa, poderoso... Mais uma, para recuperar a coragem.
Socorreu-se de outra sobrevivente, Maria de Fátima Palha de Figueiredo, a sua querida "Fafá de Belém", primeira a deslumbrá-lo quando regressara do exílio e após a prisão em Viracopos pelo DOPS e Polícia Federal, fins de 1979 e antes da anistia anestésica. A vira na TV, na casa de amigos, fuzarcando o “Estrela Radiante”, de Walter Queiroz, e saíra cantando “ylaiê, aê ilê ilá” pela sala, tomado pela adorável gordinha. E cantava junto agora, empolgado, apontando dedo para o céu, a cadeira estalando, o povo perplexo.
Passou então para a também respirante Gal Costa - escolheu “Força Estranha”, de Caetano Veloso. E sentiu, novamente, aquele sopro de esperança, aquele tesão de viver surgido nas ruínas das separações com os encontros tantos num país do qual não entendia mais nada - ano da graça de 1981 - e que não o detonaram por pouco. Agora, sim! Poderia ouvir e escrever sobre outras, sem que lhe partissem - o delírio, a emoção e o sentimento - a compostura e a dignidade em público. Era cria de tempos em que homem tinha, obrigatoriamente, de ser durão.
Buscou “A noite de meu bem”, de Dolores Duran, há tanto tempo encantada... e lá se foi a valentia para o ralo. Novamente, as ausências e os buracos delas decorrentes pegaram pesado na veia... Dela, o jornalista Antônio Maria dissera: "Dolores Duran falou de sentimentos como ninguém, em todas as línguas. Seu idioma era o amor!" E arrastava, subrepticiamente, a sensibilidade a níveis críticos, comovendo como o diabo... Dolores fora, lá pelas bandas de 1960, inspiradora de seus primeiros trágicos versos de “amor”: “Quando tiveres nas mãos macias/ outras que não sejam minhas mãos/ fuja desse mundo de ilusão/ onde essas mãos são sempre frias"...
Compungido, a estatura feita trapos, o pranto na boca do bote, a ausência daquela que mais o seduzira bateu duro e forte, impiedosa e cruamente... Elis... Pegou “Cadeira Vazia”, de Lupicínio Rodrigues... Daí, congelou... O vídeo ruim todavia lhe mostrava a intensidade da emoção da sua Musa morta “entre um agudo/ que comove o verso torpe/ e uma porção de cocaína...” - e novamente ela lhe dominava o cérebro, nervos, músculos... era visceral, orgânico, o fascínio de Elis... O som, em que aceitável, doía nos ossos... Aquela cadeira estaria eternamente vazia...
Terminou de escrever, enviou ao editor, derrubou o sistema, tomou longa mais-uminha até secar o frasco e o jogou no lixo, acendeu o undécimo cigarro e, altivo mesmo que trocando pernas, saiu levando seu cinzeiro e tropeçando em seus fantasmas pela rua... Não mais foi visto.
(img: clara-nunes - arquivos. sc do sul - 20/03/2012)