30 de nov. de 2015

BRINQUEDOS

Caio Martins.
















(img: cvm - jaquie - 13/09/2001)

Não me queiras mal,
nem me queiras bem...

No teu abandono
quando, farta
dormitas em meu abraço
depois
de estripulias tantas
e travessuras inconfessáveis
esparramados
dentre travesseiros e lençóis
(a lua indo embora,
transida de susto)
inexplicável
só te quero porque te quero
assim singelo
nada mais...

3 de nov. de 2015

ÀS MUSAS

Caio Martins 


















Perdoem, Musas de meus amores
- eu, que raro falo de mim –
por asperezas e feridades:
não escolhi minhas guerras nem batalhas.
Não me servirão de conforto ou de mortalha
não as percorrerei, como a cidades
devassadas por ímpios mercenários.
Eu
as quero premeditado, sutil, efêmero
vate estrafalário trânsfuga dos guetos
- orgíaco em paixões inexplicáveis -
que amando sedução, aromas, vaidades
tantas malícias e cores
as descrevo e fotografo em branco e preto.

6 de ago. de 2015

A AMANTE DO DEFUNTO

Caio Martins
(Aviso: politicamente incorreto, contendo expressões inadequadas e chulas, palavrões e violência, etc., etc. etc. Aprecie com moderação.) 
 
“ - Cacete! Vai a fêmea em cio eterno, precoce, no ponto ou tardia, abre as pernas no atacado e varejo, vem lá o macho alucinado, pá-pum, ‘tá prenha... E eu, ou vocês que não fabricaram, somos responsáveis? Vão se catar, manezada!”. 
 
Ninguém mais ria. Fora ao restaurante para entupir-se de pizza e vinho, zoar com os amigos e rir de suas presepadas. Evitava, como o Capiroto foge da cruz, entrar em tumultuados debates e filosofadas inóspitas: pegava pesado e chocava a plateia. Instado ostensivamente por brilhante advogado matreiro e provocador a opinar sobre os destinos da proliferação compulsiva da espécie humana, desta vez escapou-lhe o freio de mão, já em pleno estágio de pudim de manguaça. Grandalhão e de voz dominante, impôs-se: 

“- Tô de saco cheio dessa puta hipocrisia de acharem que basta ser bicho-gente pra ser a maravilha do universo. Somos a pior desgraça que há. Destruímos tudo, todas as espécies incluindo a própria... Por que serei responsável pelos filhotes alheios dum animal sem prumo e nem rumo, do topo da cadeia alimentar, que entope seu habitat desvairadamente ao ponto de termos pouco planeta pra gente demais? Quem fabrica, que se ocupe dos seus monstrengos, porra!
A justa é esta: nada é tão destrutivo, safado, pernicioso, hipócrita, canalha e predador quanto nós, bicho-gente. O resto é masturbação mental, cinismo, sacanagem e esquizofrenia. Vão sifu, caiam na real: estamos aqui para foder com tudo! E tchau e bença! ‘Tô indo!”... Catou as tralhas, jogou uma nota alta na mesa perplexa e ganhou a rua. 

Ninguém. O risco de assaltos aterrorizava o povo entrincheirado em suas tocas. Não deu outra: na esquina, chegando ao carro, cercaram-no dois malacos, de moto e armados. Foi tudo rapidíssimo. Simulou pavor e mal estar e, quando o primeiro veio pegar-lhe os trens, puxou o trezoitão e mandou o dedo. Tiro na cara. O segundo abestalhou-se e nem viu – um centésimo de segundo depois – de onde veio o tiro que o atingiu nas costas. Levantou-se célere, ainda que zoado pelo vinho, arrematou o serviço e vazou da cena do crime pisando fundo. Nem sirenes, nem perseguição. Chegou ao apê são e salvo. No outro dia levantou-se detonado. Depois da tradicional mijada histórica, olhou-se ao espelho: deu-se o infarto fulminante. 

No velório muito concorrido, só fala-se do melhor sujeito já havido. Morreu, virou santo. Num canto, vestida elegante e esmeradamente de preto, sensual, a mulher que viajara longas horas observa, isolada. Chega a viúva e pergunta-lhe se conhecia o defunto. Ela sorri, crava na fulana um olhar castanho-claro meigo e doce, mas perfuro-cortante, e diz suavemente: 

“- Sim! Foi grande! Um grande filho da puta... mas, o amei... Muito!”...
(scs, 06/08/15. img: natalie portman – divulgação)

17 de mai. de 2015

SORTILÉGIOS

Caio Martins
(Para Letícia.)













 Percorri a passo
fiel como um cão
cada um de teus roteiros...

Motéis, beiras de estrada
estonteantes céus de estrelas
mares, tempestades, pardieiros.

Até que farta
partistes sem acenos
ou obscenos gestos derradeiros.

Obscuras noites,
tanto vagar em sombras densas
à luz de luas tontas.

E eis que, telúrica,
entre nuvens
nua vens!

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6 de jan. de 2015

ESPELHOS DE CAMARIM

Caio Martins
















(img: cvm - célia - 02/2001)

Trago fincados os cacos
da tristeza do que não fiz
das guerras que não travei
dos poemas que não escrevi
do vinho que não bebi
do tango que não dancei
na mulher que mais eu quis...


O mundo não dói, só rói
mansamente camuflado
como seu olhar suplicante
como seu olhar de louca
como o beijo de suas bocas
seus abraços delirantes
do jeito que eu sempre quis... 


Trago fincados os cacos
da tristeza que não me quis
e me olham, azuis assim,
teu olho esquerdo vulgívago
teu olho direito infeliz
multívagos estilhaços
de espelhos de camarim.

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