O bar era mais uma das infinitas arapucas da moda, barulho exasperante de roqueiros alucinados e todo mundo gritando sem se ouvir, menos ainda, entender. Comida aceitável, a menos que se quisesse, por impertinência, um vinho especialmente honesto. Não era mais menina, menos ainda criança, como as amigas também não. Porém, ao contrário delas, não estava à caça, queria só rir e dançar, extravasar o cansaço e o tédio de uma semana endemoniada, evitar a tristeza pungente dos fins de semana solitários a que o divórcio e o trabalho a reduziam.
Foi quando o viu. Belo homem, o dono do local e alfa da alcateia. Ali, por trás de tantos sorrisos concupiscentes, uivava-se como lobos no cio.
Irritou-se. Conhecia suas fraquezas e, ao não atender os alertas de perigo, ilusões e sonhos irracionais e hormônios agitados levaram-na ao sujeito errado, algumas vezes. A estupidez da situação é que não sabia qual seria o certo. Bela, que fora e era, fixava-se na estampa, nas exteriorizações testosterônicas e maneios, mesmo os triviais, naturalmente utilizados para comer moça tonta de graça. Encolhera-se, no dia, desapercebendo-se.
Contudo, fim de semana seguinte, viera armada à guerra. Do último fio de cabelo às unhas dos pés, do traje vermelho decotado - e sabia ter lindos seios - à gargantilha negra, do batom combinando com os sapatos ao minúsculo relógio mecânico, enfim, em todos os detalhes, produzira-se para a batalha. E, o sujeito veio. Tratou-o bem, mas distante. A arte da sedução, supunha, era fazer-se desinteressada, de difícil, flertar (meu Deus, que palavra vetusta!) dissimulada e saber, no momento certo e com a magia certa, entremostrar-se sutilmente. Ah, benditos decotes, saias generosas, olhares e sorrisos dúbios sob um ar blasé, displicente...
Negara-lhe seguidamente, veemente mas num tácito talvez, telefone e endereço, falara de banalidades e generalidades por algum tempo... com as amigas, comentava os fatos como reles adolescente apaixonada, sem esquecer os irritantes gritinhos e risinhos nervosos. Outras vezes tantas, negara-se a sair com o pavão... Até que, após um fim de semana quase perfeito, feito de promessas, juras, enfim, o besteirol todo do cardápio de cantadas ao pé do ouvido, cedera. Daria para o alfa. Comemorara com as amigas excitadas e a palavra mais ouvida foi “casamento", mantra mágico no universo feminino.
Não deu. Vinte dias após verifica que o sujeito é, novamente, o errado, ao ser dispensada até com certa dureza (outro rabo de saia, por certo) e não querendo, o energúmeno, sequer ser seu amigo - súplica final das rejeitadas. Roda a baiana, da classe sempre presente e sua característica principal, sai-se com um barraqueiro “ - Vai te catar, mané! Filho da puta bundão!” - para salvar, perdidas as aparências, ao menos a dignidade e o amor próprio feito trapos.
E os salva. Em que pese o pranto, a raiva da estupidez hormonal, a sensação amarga de usada (mesmo que por culpa própria), do peso dramático de solidão, levanta-se no dia seguinte com uma leve sensação de liberdade. Vê-se ao espelho: está horrorosa, olhos inchados, desgrenhada e tendo ainda, a escarnecer de sua auto-estima, baita marca de chupada no pescoço, ainda da outra semana. Após demorado banho (para exorcizar as energias negativas) liga a um amigo dos tempos de infância, companheiro intimorato de andanças por bares, cantorias, danças, risos, despreocupações. Nunca lhe caíra dentro do decote, jamais o pegara olhando-lhe gulosamente a bunda.
Papo de aranha vai, papo de aranha vem, confessa-lhe o romance... bem... o mal parido caso dos vinte dias. Ele - território conhecido - diz-lhe que tudo que não presta vem de graça, e o que é bom dá trabalho, às vezes de uma vida inteira. Manda-a olhar-se no espelho, dizer o que vê. Ela olha.
- Um farrapo... uma bruxa feia e velha, meu amigo...
- Eu veria uma linda mulher! Triste e burra, mas, linda! ... Bom, você sabe que amigo de mulher bonita não é irmãozinho, n’é? Quer um colinho, um cafuné?... Quer?
- Eu veria uma linda mulher! Triste e burra, mas, linda! ... Bom, você sabe que amigo de mulher bonita não é irmãozinho, n’é? Quer um colinho, um cafuné?... Quer?
Ri por fim, condescendente... quer!
(img: n.kidman - molin rouge - foto cvm/tv - 27/02/2013)
Caio
ResponderExcluirGostei muito da crônica porque os timbres do amor ou a procura dele são assim mesmo. Abraço. Milton Martins
Grato, Milton! Não diria do Amor, como palavra maior e expressão máxima positiva, mas, da irracional ação hormonal e o pavor da solidão causando sérios estragos... É armadilha mortal. Forte abraço, meu Mestre!
ExcluirA poesia de Caio é difícil de ser comentada. A prosa, excetuando a política, igualmente.
ResponderExcluirDiria que esta é a visão do experimentado, que passou pela vida. Compreender as paixões, a mulher, os desejos. Segundo penso, este é o caminho do cronista, a quem mando meu abraço.
Jorge
Nem tanto, Mestre Jorge, nem tanto! Se o artigo político é frio, duro e contundente, não deixando margem a ilações ou argumentos, a poesia e a crônica exigem das palavras sua expressão mais singela e sublimada: a dos sentires. Vividos e pensados e meditados. Como diz Antonio Machado, "caminante, no hay camino: se hace el camino al andar..." De aí, a sensação incômoda de nada compreender, entender da vida e estar sempre no mesmo lugar... Forte abraço, me'rmão!
ExcluirHehehehehe! Ri muito dessa crônica sem-vergonha...rs... Riqueza de detalhes, um roteiro fantástico, retratando bem o bicho gente... Adorei!
ResponderExcluirBeijos
Márcia
Que bom que gostou, Márcia! A simplicidade dos fatos narrados esconde - quase sempre - profundas turbulências que o bicho-gente nega, mas tem prazer em nelas aventurar-se. Beijos!
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