20 de dez. de 2011

A FLOR DO NATAL

Caio Martins
Mas, chamava-se Flor? Ninguém mais  se chamava Flor de há muito tempo. Flô... Tão certo quanto existir o Efeito Borboleta... Por que não Efeito Lagartixa? Efeito Plasmático Nanotecnológico Orbital? Flor? Não acreditava... Inda por cima, morena tingida... Pior que uma loira burra, só uma morena tingida... Chapinhas... Saltos assassinos... Microssaia imperdível, blusinha ‘tánamão”, batãozão vermelho combinando com a calcinha, sombras azuis... Falsos ouros nos pulsos, orelhas, pescoço... Aquilo não era uma mulher... era um atentado à segurança pública... Não iria ao encontro mas nem se o Cramunhão o levasse pras profundas...

Assim martirizado e angustiado, sufocado e temeroso, lembrou do ditado do Vô Venâncio, criancinha ainda era: “- Firma a cangaia que a coisa ‘tá feia!”... O Vô... bicho brabo, da roça, sertão, pezão espalhado, olhadela de esgueia... jagunço! Saíra atrás dos primos e tios de carabina quando - ele aos doze anos - foram pescar. E, calorão de espoucar macaúba, tchibum no rio, homaiada pelada... Os parentes descobriram que lhe apareciam os primeiros pelos: já era homem! E lhe deram cigarro de palha, cachaça e o levaram à zona. Fora a parte mais difícil, a mulata era grande, farta, carnuda... Ele? Magricela e um trenzinho miúdo, sumido... Desde aquele entonces, só se dedicara às magrelinhas baixinhas...

O Vô ficara macho... Pegara a carabina e a cambada desandara no mato, uns dias... Depois, tudo voltara ao normal. Ele, agora ali de anelão no dedo, nos trinques, pinta de doutor... não podia negar a raça, afinal ganhara a Flor num jogo de bilhar. Não que a periguete fosse o prêmio: vencera um otário que se dizia campeão, levara a grana e a morena se lhe achegara, sestrosa... Morenaça loira... Uns peitos espetados, olhos negros, de volúpia, boca de tesão... e aquelas pernas, suntuosas colunas de ... de... não lembrou de batepronto o nome do material. Lera algo num autor de mais de século atrás: - Êh! bundão véio sem porteira!... Âmbar, cacete!

Na rede social, papeara muito com a Flor... A moça era ligeira, tascava inglês adoidado, dizia que sim, talvez, que não, quem sabe... Marcara o encontro. Ela afirmara que se apaixonara ao vê-lo jogar e quebrar as pernas do Kelvin (sic!), tido por fodão no bilhar, mas, de fato um zéarruela, malandro agulha  dos que quando sai da linha só leva no rabo... Depenara o otário, pagara bebida pro bar inteiro... Agora, ia para o sacrifício... Aquela imagem da mulatona da primeira vez assombrando, nem armamento tivera para tanta batalha... Trauma! Pior ainda: era véspera de Natal... Ele Natal, viajante, perdido na cidade infernal a centenas de quilômetros de casa... Casa?  

Largou o carro no estacionamento, não sem antes dar recado que se sumisse estepe, ou o próprio pé-de-lata, ia ter “cena de sangue” e viraria, o guardador, notícia ruim nos programas carniceiros da TV... Chegou andando feito sapo na porta da buate, de dentro vinha o som do pancadão dos nóias transtornados. Freguês, chegou ao segurança - armário negão de dois por um e meio - e pediu que chamasse a donzela... Sentiu as mãos frias, vontade desesperada de vazar, pegar estrada, voltar para casa... Casa? Não tinha casa... Daí a moça veio, até que estava bonita mesmo tingida... Bonita? Um arrazo!

Saem de braços, cafonas, ela quase um palmo mais alta, direção ao hotel. Diz-lhe que não está bem, melhor um jantarzinho, depois veriam. Flor o observa, já à mesa, longamente em silêncio... E aí na lata, sem tapumes, lhe diz: -Você tem vergonha de mim? Eu sou o que sou, querido... E não fico de santa, de cocota enrustida! Sou puta... e daí? Congela... olha muito o rosto, procurando e procurando... observa feito coruja o gogó... nada! Então se arma de insuspeita coragem da gota serena e mete a mão dentre as generosas coxas cor de âmbar da Flor... Leva soberana bolacha na orelha, a fera já se levantantando na fúria, já tirando o sapato de salto assassino e com febre ainda mais assassina nos olhos...

- Para-para-para-para... ‘Taquepariu! ... e desanda a gargalhar, até às lágrimas e doer de tripas... O povão? Ah! O povão sempre quer sangue... Flor trava, estupefata, a vela de Natal deita uma tépida lágrima vermelha... Conseguindo respirar, ele toma baita alento, abre os braços e desanda a gritar:
'Táqueriu! Deus é pai, não é carrasco... Bendito seja... Louvado seja... ‘Taquepariu!!! Você é mulher! Você é mulher!!! ... O povão? Ah! O povão, exorcizado, aplaude delirante... Natal... Ficam ali enroscados um tempo, entre lágrimas, beijos desesperados, num abraço torto e doído que finalmente sai, meio que cambaleando como que dançando, para a avenida...

(img: mulata - di cavalcanti)

Urupema, 20/12/11.   

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