28 de abr. de 2011

LARGO DE SÃO FRANCISCO

Caio Martins
Para Silvana Garcia











(imgart: cvm - lgosfrancisco-beijo-2009)


Passam as gentes pelos átrios
arcos e capitéis, no páteo
vem a moça sem pressa
levando os seios espetados
bandeiras em dia da pátria
e a menininha disfarça
o medo da imensidão...

O Largo não passa.  

A Faculdade de Direito
de tradição libertária
saúda o velho menestrel.
Já a ocupei em armas
bradei da tribuna alarmas
fugi de ser bacharel.

A Igreja atrapalha
o fluxo da cidade
faz caretas à mocidade
que nela não liga mais.

O Largo de São Francisco
suspira um tempo passado
num templo embolorado
onde havia idéias, ideais
escorrem com letras mortas.

Carrega ossos em suas tumbas
já não produz mais poetas
noturnos de alvorecer
requenta memórias das quais
a cidade esqueceu de esquecer.

A única elisão simpática
na patética estética eclética
cinza, suja, gris
é Silvana que vem flutuante
atrás de seus peitos densos
atrás de seus jeitos mansos
de sorriso desbragado
com sua voz quase rouca
vestido entrado nas coxas
despertar um poeta infenso
que a beija com deleite
e leva como enfeite
rubra boca na boca.

A menininha alerta:
- Mamãe... olha um palhaço! -
e sai correndo, feliz.

(Pensão da Zulmira - 20/07/1987

21 de abr. de 2011

PECADOS...

Caio Martins.














(img:cvm - mariann - 1999)


Tivesses, talvez
apagadas estrelas, outros
tempos, ritmos, rituais
não farias, quem sabe
arderem em fúria medíocres átomos
e amebas cruas, partes
atávicas deste universo
elementar.

Porém, ao teu corpo consumir
meus olhos, estruturas,
a textura de meu sexo
meu nexo e sentidos,
pulsaste liberta e vadia,
ilha in(can)descente
de magia essencial.

Mulher...

E depois ficaram
só os traços
de tuas unhas e dentes
teu abraço
de longos braços e pernas,
teu cheiro, o jeito
de menina antiga, (e)terna,
o sabor acre
desta paixão desorbitada,
ancestral.

Soubessem deste delírio
“irreverente-devasso-amoral”
medíocres átomos e amebas
cruas empedradas,
suspeitassem
- os puros, santos e anódinos -
desta loucura atemporal
e seríamos fuzilados...

(26/12/1990 - sb. do campo)

13 de abr. de 2011

“SHIFT + DEL”: O MUNDO AZUL

Caio Martins
Recebera, numa noite chuvosa e fria, mais uma mensagem da “ex”, intempestiva mulher que o deixara feito trapo de chão ao partir inopinadamente... Pedira-lhe não telefonar (a voz o detonava!) Dizia-se amiga, mas que “estavam num jogo perigoso” ao trocar “e-mails". Dos anos vividos juntos questionara: “- Foi tão ruim assim?” - e que não precisava ser grosseiro ao responder suas mensagens, patati-patatá... Pirou na batatinha! Escrevera em minutos, enviara a mensagem e suspirara fundo... Só releu longo tempo depois:

“Foi mal... E não tenho desculpas para a raiva, bronca ou, como diz elegantemente, "grosseria". Supõe, ainda, reações que uma mulher nunca teve ou terá, no mais das vezes rindo dos meus ou seus momentos de cio e impertinência. Não importasse, não teria suposto e errado. Então diz que sente saudade, sim, e me chama de ingrato... Ou nunca soube, sequer entendeu o que houve comigo até partir e menos ainda depois, ou faz jogo no mínimo irresponsável e noutro extremo, não importando as intenções, muito safado. Luz no picadeiro, a questão como sempre é a do método, todavia este nos trai na mesma proporção que o prazer do jogo nos atrai. Cremos que sempre é menos arriscado com time conhecido. As lembranças de pele são, via de regra, traiçoeiras. Amar é outra coisa, pelo que me penitencio.

Ficaram-lhe, porém, marcas profundas, além de um nome profissional que sempre exigirá explicações principalmente para quem nunca gostará de ouvi-las, às vezes um lugar, ou o comentário num filme, um gesto, cheiro, cor, insignificâncias, quando fantasmas sempre sairão do baú, pois se não há vontade de preservar o outro, NADA foi resolvido e o ciclo se perpetua, com ele péssimos momentos para mim, como os deste ano. Se não pensou nisso, é mais que hora. Não terminou. Tem de terminar. Se pensou, então haja bronca ante a sacanagem.

Fiquei na toca por sobrevivência. Deveria partir, queimar os navios, não deixar rastros nem traços. Deveria ter sido realmente grosseiro e dito que jamais a veria, ouviria ou leria de novo, que fim é fim, porta na cara sem o pé no vão do batente. Contudo, não fui capaz. Errei pensando que você seria. E toda vez na qual cheguei a pensar que, enfim, tinha superado o desastre, a moça vem, virtualmente (timidez?), começando tudo de novo. Qual TUDO? O que couber na pasta Sentimento de Perda. Nada desejável ou elogiável. É tão difícil de entender isso? Que remexer na cicatriz causa dor maior que a do ferimento? Êta! Dramalhão mexicano! Nelson Rodrigues diria diferente, que amor de pica é o que fica... Começamos mal, terminamos pior,e não acho um termo adequado para esta parte do roteiro definido por você como "ficando perigoso". Então, porque cutucar o pior de mim?


Aí, partido entre o orgulho de sabê-la bem sucedida, com promoção, apartamento, telefone, carro e esse "tudo" acima, entre a sensação de prazer por haver acertado plenamente na perspectiva de sua trajetória e o inferno da sua ausência (lá vai o Nelsão, de novo!), não posso adoçar, descartado, ao tê-la remexendo a lixeira. É pedir o impossível. O sintoma mais "dramático", destrutivo e corrosivo é ontológico: a mediocridade do ciúme. Coisas absolutamente imbecis como encher a cabeça perguntando com quem estará, dando para quem, vivendo o quê com quem, e se o tal quem (estranho nome!) sabe que a ... (evitemos palavrões, é grosseria, certo?) telefona e escreve gracinhas, filho da puta de um corno (ao menos intelectualmente...). Ou, do lado adversário, comprar provocação primária e dizer que a outra me mandaria tomar no cu (tanta delicadeza comove!), partindo para trocação (veja os combates do MMA) retórica.


Daí, o Bozzo se pergunta: puta que pariu!!! O quê essa &%$#@+-/|\ quer comigo, aqui quietinho no meu canto, tentando botar ordem na vida no pior ano vivido? Tá com saudade? Foda-se! Se aguente! Tá no cio sem macho? Vá se catar! E segue por aí adiante... É ruim! Muito ruim! Preciso de tudo, menos disso!


Se (ah!, esse infernal, traiçoeiro e covarde recurso patético de sempre deixar uma porta aberta...) não é nada disso, então fodeu tudo de uma vez! Aí só teria o caminho de sumir no mundo, e essa merda dá um trabalho do cacete; não estou mais para heroísmos. Sou eu, não importa como? Sabe o caminho! Não? Perdoe a teatralidade ridícula, mas, fique longe de mim. Não quero brincar mais, estou fora do jogo...”
 


Riu-se do (agora!) ridículo. Nunca obtivera resposta. Nunca mais soubera dela. Veterano de tantas “guerras” - aquela fora a mais dramática - selecionou o arquivo, apertou as teclas “Shift+Del”, desligou a máquina de fazer doido e foi dar peixe ao gato vira-lata na janela. Lá fora naquele outono magistral, tirante a luz amarela da rua, o mundo era azul...

(img: fabian pérez - el farol) 


5 de abr. de 2011

PERMANÊNCIA

Caio Martins













(Img: cvm - jackie2001 s/unbekannt)


Vês, nesta cidade ensandecida
esta casa escancarada?
Entra, fica um só instante.

Não há cadeiras, cama, mesa
só resta um poço com água.
O balde sumiu...

Havia um jardim, já sem flores
mas ainda há terra
não oxidada pelas guerras.

O telhado já caiu, não tenhas medo.
No porão há velharias
famintas de companhia.

Entra! Vem!
Num caco de espelho reflete
teu olhar de susto, tua vida
tão esperada pelas paredes mambembes
ameaçando ruir ao teu menor suspiro.

Estas ruínas pedem
que tua vida as habitem.
Este jardim só deseja
ver crescer capim, matinho...
Pedir flor
seria descabida exigência.

Não temas, não!
De nada importa o que sejas, ou ainda
o que pensas, venhas ser:
esta casa te aceita, não te explica.

Sempre parti cantando
sempre voltei amargo.
- Nunca fui bonzinho, perdoai!

Mas já sonhei, foi lindo
até a vida (re)voltar-se
e dar-me cuspida na cara.

O medo habita comigo
ulcera meu umbigo
corrói meu ânimo
macula meu beijo, mas te recebo
sem qualquer explicação.

(centro acadêmico de scs - a casa da esquina - I. 17/03/1968)

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