20 de fev. de 2010

AVENIDA PAULISTA


Caio Martins
Para Marici.











(img: av.paulista 1922 - pmsp-arquivos)

Esquina da Brigadeiro:
o pipoqueiro de branco
fecha a panela e zarpa
destartalada nave sem bandeira
em fuga do curral.

Um filho de puta baba
e dorme aos trancos, desbarrancos
num canteiro, mijado .

Negócios, formados em batalhão
arpoam a penumbra avermelhada
com seus vorazes olhos in(can)descentes:
tétrica beleza como restos de incêndio
na tragédia da tarde moribunda.

Vai o pipoqueiro de branco
navegando encardido na corrente do trânsito
que escorre pelo MASP como vespertino vômito .

Navega em pesadelos
o menino predador pardo
sacode um pé, range bruxismo,
o trânsito range cataclismos
nada há mais a despertar.

Turbilhão de ansiedades
nos flancos escorre
compacto rebanho remexendo
retensadas vísceras
coléricas, terminais...

O pipoqueiro é preso por não ter licença
e navegar na contramão
o pivete mijado salta e esca(pa)fede no ar.

Das casamatas bancárias fuzilam
raios cibernéticos no seu rastro
latitude 26,56 e longitude 46,64 graus...

Na esquina da Augusta
pipoca um tiro ocasional
a moça grita, tudo é nervo retesado
raspou, não feriu nem matou
para desconsolo geral.

Terminas, corredor
de orgias e latrina financeira
num buraco abrupto e estreito.

Esquina da Consolação:
indo sempre em frente, talvez
a gente consiga sair
- mesmo que poucos se salvem -
da (vora)cidade.

O poeta busca consternado
na ausência do olhar de Marici
os olhos de adeus de Marici
ancorado na esquina do cemitério
estatelado, a ver navios...

(13/07/1987- Pensão da Zulmira.)

11 comentários:

  1. Nossa...que intenso esse poema.Fiquei nervosa para saber o desfecho do pipoqueiro e ansiosa para que chegasse o final da saga.
    São Paulo é assim até mesmo em um poema...rs
    Adoro a forma como transforma o cotidiano conturbado em fatos interessantes e completamente cheios de vida!!

    Adoro-te!!

    Beijos!

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  2. Metrópole - onde se morre a metro.
    Não consegui escrever nada melhor, mas senti o poema sim.
    Não é prá sentir o poema?
    Senti o cheiro da pipoca mas, aqui prá nós, ainda tem pensão em São Paulo?
    Adorava comer de pensão...que fome...

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  3. Caio, este poema grita. E como dói, meu amigo...
    As pessoas parecem não mais se importar com o que ocorre à sua volta, a menos que tenha um final trágico...

    "...A moça grita, tudo é nervo retesado
    raspou, não feriu nem matou
    para desconsolo geral..."


    É por aí mesmo...

    Parabéns e obrigada por nos deixar partilhar suas vivências e impressões a partir de sua existência neste mundo.

    Beijos carinhosos

    Márcia

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  4. Dentro da baita confusão que já existia no passado, Caio consegue garimpar até surgir um poema. Não sei como chega ao fim.
    Só com talento mesmo.

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  5. Sol, "as pessoas passam, as cidades ficam"... É escolha rara, a de empurrar um carrinho clandestino de pipocas pela avenida, na contramão da vida. Grato pela delicadeza de sempre.

    Bárbara, sem dúvidas, se morre um pouco mais a cada instante, única certeza na passagem pela atual pensão. Com sorte encontraremos algum pipoqueiro na esquina da próxima para nos aliviar a fome.
    É um prazer vê-la por aqui.

    Márcia, meros expectadores somos. É uma honra infinita tê-la como Mestra e amiga. E o poema grita, enquando o poeta leva bolo da amada... É no que dá marcar encontro de despedida em esquina de cemitério. Beijos, irmãzinha querida.

    Jorge Sader, parceiro fiel de tantas madrugadas líricas "on line", tantas pedras empurradas ladeira acima: sigo bons exemplos, como o seu. Muito tenho de me esforçar para merecer sua generosidade. Obrigado, mano-véio.

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  6. Belo controle de tempo e de tensão interna do poema. Só o amor salvaria nessa selva inóspita. Caramba! Nem isso foi deixado barato, hein?
    Bjks.
    Clélia.

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  7. Clélia, a ausência de rima e metrificação dificulta o ritmo mas libera a intensidade na composição, você conhece bem esse mérito e lida bem com ele.

    O amor salvaria, sem dúvidas, mas não dá lucro, pois há que compartilhar e dividir. Isso não convém ao mercado: toda informalidade prejudica os negócios. A do amor, maiormente.

    Beijos, e muito carinho.

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  8. "toda informalidade prejudica os negócios. A do amor, maiormente."

    Caio, lembro as palavras de nosso professor Goffredo da Silva Teles: "Quem ama, ama, simplesmente"... Só isso!"

    Amar não pode estar submetido a normatização, regras, súmulas vinculantes.
    O afeto, a dedicação, a doação, a confiança, a cumplicidade e tantos outros componentes não se impõem burocraticamente: ou existem por si mesmos, ou não existem. Por isso, no Amor não há corrupção.
    É gratificante reencontrar nosso poeta.

    Helena (USP-Fac. de Direito)

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  9. Helena, quem se esqueceria, nas Arcadas, da Aula Magna do preclaro Mestre?

    Feliz por sua presença e pelas sábias palavras. Volte sempre.

    Abraços.

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  10. Tão diferente hoje a paulista... Sem nostalgia que eu não conheci antes, rs.

    Muito belo :)

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  11. Vanessa, a nostalgia decorre de perda irreparável. Às vezes um momento mágico, noutras a magia de um amor, ou ainda ambos.
    Há que tentar um resgate mínimo.

    Abraços.

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Na busca da excelência aprende-se mais com os inimigos que com os amigos. Estes festejam todas nossas besteiras e involuímos. Aqueles, criticam até nossos melhores acertos e nos superamos.

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