12 de mar. de 2009

LEI SECA


Caio Martins
Para Mari, pela delicadeza de existir.

Lá ia, cidade adentro, madrugada de inverno, de táxi. Não estava trançando pernas, mas tomara mais vinho que o devido. O carro ficara solitário no pátio do bar. Ela? Sóbria feito uma harpia, beijara-o sem paixão, sequer sorrira ao pô-lo no táxi e dizer ao motorista que o levasse com cuidado para casa. Fiadaputa! Custava, levá-lo e, então, deixá-lo dormir no sofá até o meio-dia, acordá-lo com um café gostoso e quentinho, meter-se depois nua sob as cobertas?

- Merda! Prepotente! - murmurou, ausente do motorista especializado, depois da Lei Seca, em levar cachaceiro para casa. O gozador o olhava pelo retrovisor e sorria. No mínimo regozijáva-se pelo passageiro terminar a noite às secas. Tinha culpa se havia maluco demais pelas ruas, que sóbrios já eram um perigo e, bêbados, uma calamidade? Ele, não! Conhecia a máquina, tinha mais estrada que caminhoneiro mal-amado, zero acidentes.

Tinha, certa vez, ela junto, evitado uma tragédia. Chuva pesada, pista cheia, e houvera batida feia à frente. Vira, na cortina d’água, o clarão vermelho dos freios parados. Reduzira de quarta a segunda, pisara no freio paulatinamente e pegara uma mancha de óleo. O carro deslizara, na fração de segundo vira o ônibus em igual velocidade pelo lado direito, soltara o freio e acelerara, entrara e fora colhido na metade traseira.

Reflexos e endireitara, subira a guia travando e embicara numa árvore. Não fora grande estrago, mas evitara bater e engavetar com vários autos. Frio como rabinho de foca, descera, a pusera num táxi e ficara meio dia até ser liberado da confusão na qual, entre mortos e feridos, todos se salvaram. Olhando a pista à frente, a via pulsar neurótica, memórias de tantas outras situações de risco passeando pelo filtro etílico. E ela não confiava...

- Doutor, chegamos! - pagou, parou minutos procurando as chaves e entrou no prédio guiado por reflexos. O porteiro rosnou-lhe um boa-noite enregelado; elevador, o andar vazio. Abriu sua porta e percebeu, pela fimbria da do quarto, a luz acesa. Isso não era normal. Mão na maçaneta, trombou com a porta fechada. Bateu, e nada. Vai ver, metera a chave em algum canto, ou perdera. Depois, já sóbrio, veria. No momento a sala rodava, a cabeça zunia.

Xixi de praxe e foi para o sofá, roupas para todo lado. Cobriu-se com um edredom que lá não devia estar, abraçou-se com a solidão da almofada da preguiça e apagou em segundos. Acordou, meio-dia, a luz do sol pelas cortinas devassadas, o cheiro bom de café novinho, a xícara, a mão, o braço, o sorriso divertido, o corpo nu da mulher que já se aninhava debaixo da coberta, agora confiante, exigente e despudorada.

(imgarte: cvm - jaquie2001-bicodepena)


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